Conheça a HQ que satiriza tudo e todos do mundo dos quadrinhos na biografia fictícia de Pussey! de Daniel Clowes
Pussey!, lançado no Brasil em 2021 pela editora Skript, 60 páginas, é a história do quadrinista mainstream fictício que dá nome a obra. É por meio dela que, com humor e acidez, Daniel Clowes desnuda as piores práticas individuais e de mercado do mundo dos quadrinhos norte-americanos.
A princípio, a HQ saiu entre 1989 e 1994 dividida em pequenas histórias na revista independente do autor, Eigthball – a mesma que publicou o clássico Ghost World (1997) –. Na edição única, temos o panorama completo do inusitado – ou não – Daniel Pussey. Da juventude, fama, até a morte.
A arte de Clowes é em traço limpo, P&P, com preenchimentos de retícula para dar texturas de cinza, semelhante ao visto em Como Uma Luva de Veludo Moldada em Ferro (1993).
Qual a trama de Pussey! de Daniel Clowes?
Daniel Clowes é um quadrinista que, desde o início, foi para o lado das HQs autorais e, como já deixou claro em publicações e entrevistas, é avesso aos padrões do mainstream – sim, estamos falando, mais precisamente, dos quadrinhos de super-heróis e semelhantes –.
Dan Pussey, conforme o autor dá a entender na introdução, é um alterego que teria enveredado pela carreira dos quadrinhos e da cultura pop. No primeiro capítulo, “O jovem Dan Pussey”, acompanhamos como um experiente empresário do ramo monta uma equipe de artistas e a organização de trabalho que dão origem à “Quadrinhos Infinitos Ltda.” O intento é bem-sucedido.
Dr. Infinito, o Stan Lee de Clowes, cria a “Quadrinhos Infinitos Ltda.”, onde Pussey chegaria ao estrelato.
O homem supracitado é Doutor Infinito e, quanto mais avançamos na história, percebemos ser uma “homenagem” nada amigável ao lendário Stan Lee. Na equipe dele, quem se destaca, não necessariamente pela autenticidade ou qualidade da produção, é o desenhista Dan Pussey.
E Pussey é um cara de estirpe duvidosa. Era um jovem aparentemente sem destaque e que não se interessava por absolutamente nada senão quadrinhos. Sofreu bullying na escola.
No entanto, após a fama, acabaria reproduzindo, de certa maneira, a imoralidade de seus algozes. Cobra por autógrafos, é machista, casa-se com a bonitinha interesseira da época da escola – que obviamente só se interessou por Pussey após a fama –.
No excelente capítulo “A história do Doutor Infinito”, vemos que mais condenável ainda é a vida do magnata. Durante o “Prêmio Hall da Fama”, Infinito exalta os feitos dos artistas de várias gerações com quem trabalhou, mas flashbacks vão mostrando a oposta versão real dos acontecimentos.
É o caso de Sol Silver, que trabalhava “sem egoísmo, recusando créditos.” A verdade era que Infinito assinava tudo e não dava abertura para Silver aparecer, em nome de “não confundir os leitores” e prejudicar os negócios. Na maioria dos casos, os lucros também não eram compartilhados. A crítica ainda passa pelo (mal)trato e esquecimento que receberam muitos artistas da Era de Ouro.
O olhar satírico de Clowes não está apenas para o meio dos super-heróis. As investidas de Pussey na tentativa de sair do mainstream, em revistas undergraunds ou galerias de arte, evidenciam que esses métiers têm, igualmente, seus problemas, prepotências e interesses individuais.
Isso é visto nos capítulos “A juventude de Dan Pussey” e “A vida do artista”. Aliás, uma versão de Art Spiegelman (Maus: a história de um sobrevivente), que passou por alguns dos mesmos veículos que Clowes, está em Gummo Bubbleman, editor de uma revista de “quadrinhos de vanguarda”. Pussey! ainda segue o protagonista até sua derrocada e morte, no hoje próximo 2029.
As tentativas de Pussey pelo underground são hilárias, com uma paródia de Spiegelman chamada Bubbleman.
Vale a pena ler?
Aos leitores de carteirinha de Daniel Clowes, não há muito o que dizer. É mais um quadrinho ótimo do autor, que varia na temática e estilo sem perder suas características e assinatura. Mas vale ressaltar que há easter eggs de suas outras obras por praticamente todos os capítulos.
Pussey! é uma HQ crítica, irônica, satírica e ácida. Faz rir e pega pesado com a indústria dos quadrinhos e seus agentes. Ao que nos parece, embora possivelmente hiperbólica, não foge tanto da realidade. E nenhuma panelinha é isenta de vícios ou do lápis de Clowes – nem ele mesmo –.
O autor, além de atacar a indústria, brinca com alguns costumes de parte dos leitores, como os eventos nerd, o consumismo, o colecionismo e a alienação. É interessante contextualizar que a HQ é da virada dos anos 1980 para 1990. Hoje, como bem observado por Ramos Vitral (Vitralizando) no posfácio, com o termo “geek” tornando-se sinônimo de um “estilo de vida” comercialmente lucrativo que abarcou os quadrinhos, podemos dizer que os efeitos são multiplicados.
Saliento, este que voz escreve não é do time que demoniza as HQs de super-heróis e seu público – do qual faz parte –. Porém, é fundamental termos um olhar crítico e sabermos diferenciar uma produção autoral, criativa, da comunicação de massa com interesses mercadológicos. Rever nossos costumes e formas de consumo. Senão, de fato, seremos alienados. Clowes não tem medo de jogar isso de forma mordaz na cara de todos com Pussey! Leitura impagável…
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DAVID BORING (2000) – O ULTIMATO
Avaliação: Ótimo!
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Créditos:
Texto: David Horeglad – @hq_ano1
Imagens: Reprodução
Edição: Diego Brisse
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