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Triste República: A Primeira República comentada por Lima Barreto – O Ultimato

Em 23 de Mai de 2023 5 minutos de leitura
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Conheça os detalhes históricos da Primeira República e da vida de um dos maiores jornalistas do país por meio dos quadrinhos em Triste República: A Primeira República comentada por Lima Barreto

A República Velha é uma época intrincada da História Contemporânea brasileira, cheia de presidentes e acontecimentos, dos quais normalmente nos resta a lembrança da política do café com leite.

Foi nessa época que viveu Lima Barreto (1881-1922), um dos mais notórios jornalistas e escritores do país, justamente por descrever o Brasil do ponto de vista dos marginalizados no início do século XX, quando os meios de comunicação refletiam as oligarquias eurocentristas. Entre suas obras estão Triste Fim de Policarpo Quaresma (1911) e Clara dos Anjos (1922/1948), além de colunas e folhetins em revistas e jornais como Fon-Fon, Careta e Floral.

Recentemente, o premiado quadrinista Spacca se juntou a historiadora Lilia Moritz Schwarcz para contar, por meio dos quadrinhos e da voz de Lima Barreto, esse recorte da história do Brasil que serve, não obstante, de biografia em quadrinhos e tributo ao jornalista carioca.

Triste República: A Primeira República comentada por Lima Barreto foi publicada pela editora Quadrinhos na Cia. em 196 páginas coloridas de tamanho grande (21 x 27 cm) no ano passado (2022), capa cartonada. A dupla é responsável por outros quadrinhos históricos, como D. João Carioca (2007) e As barbas do imperador (2014).

Spacca tem longa experiência. Passou como chargista e ilustrador por Pasquim, Folha de S. Paulo, Folhinha e Observatório da Imprensa e recebeu três vezes o Troféu HQ Mix, incluindo por Santô e os pais da aviação (2005) e pela adaptação em HQ de Jubiabá (2009), de Jorge Amado. Lilia Moritz Schwarcz é professora sênior do Departamento de Antropologia da USP e ganhou o Prêmio Jabuti de Livro do Ano por As barbas do imperador (1998) e de Biografia por Lima Barreto: triste visionário (2017), material que respaldou Triste República.

Qual a trama de Triste República: A Primeira República comentada por Lima Barreto

O quadrinho conta a história da Primeira República, que durou de 1889 até 1930. Do fim do Império, com o exílio da família real, até a Revolução de 1930 que iniciou a Era Vargas.

Dois momentos completam a também chamada República Velha. A República das Espadas dura de 15 de novembro de 1889 – data da Proclamação da República – até a posse do primeiro presidente civil, Prudente de Moraes, em 1894. Esse intervalo de tempo tem início com um golpe do Marechal Deodoro da Fonseca, no poder até 1981 – ano da primeira constituição republicana –, e segue com o “golpe em cima do golpe” do vice-presidente e militar Floriano Peixoto, mantendo-se até 1894. Em seguida, a República das Oligarquias dura 36 anos.

Lima Barreto é quem nos conta a história da Primeira República com verdade e bom humor

Enquanto a República das Espadas era liderada por representantes do Exército apoiados pelos republicanos, mantendo o poder centralizado e o temor da volta do Império, a República Oligárquica foi marcada pela política do café com leite, quando representantes das elites mineira e paulista se revezavam no poder, resultando em grande influência do setor agrário do sudeste brasileiro.

O período teve alguns marcos, como a Política dos Governadores, a Revolta da Vacina, a implementação de linhas telegráficas Brasil adentro, a institucionalização do Coronelismo e do voto de cabresto, os “bota-abaixo” que redesenharam o Rio de Janeiro – então Distrito Federal –, a Coluna Prestes, a gripe espanhola, a 1ª Guerra Mundial e as mudanças culturais com o incentivo da imigração europeia e o fim da escravidão.

A grande sacada da HQ é que o narrador disso tudo é Lima Barreto, jornalista e escritor negro com olhar crítico para todos esses eventos. Boa parte das falas e recordatórios são diretamente tirados dos livros e artigos do autor. O fato de seus personagens literários, mesmo que ficcionais, serem inspirados em figuras reais ou servirem de alter ego dele ajudam a nos contextualizar. São os chamados “roman à clef”.

Com esse complexo quebra-cabeças textual e o apoio de Lilia Moritz Schwarcz, Spacca conta a história do próprio Lima Barreto, nascido poucos anos antes da Abolição da Escravatura (1888), o mais velho de três irmãos. Era filho de João Henriques de Lima Barreto, chefe nas oficinas da Imprensa Nacional do Império por conta da proximidade com o ministro Afonso Celso, Visconde de Ouro Preto.

Pai solo, após a Proclamação da República vai morar na Ilha do Governador e coloca as crianças no internato Liceu Popular Niteroiense, em 1891. Mais velho, Lima Barreto entra para a Escola Politécnica com o objetivo de cursar engenharia civil, influenciado pelo patriarca.

João Henriques é diagnosticado com “neurastenia” e, impossibilitado de trabalhar, Lima Barreto assume as responsabilidades da casa. A família passa a morar em Todos os Santos, subúrbio carioca. A essa altura, o jornalista já não tinha interesse na Poli – onde maus alunos só passavam se fossem herdeiros da oligarquia – e mantinha suas finanças com um trabalho na Secretaria da Guerra e seus textos.

Lima Barreto não fazia parte da oligarquia republicana, mas tinha cultura invejável. Se por um lado teve um pai servidor público – o que lhe garantiu boa educação – e gosto pela leitura, por outro sua cor e a vida no subúrbio o fizeram ver e sentir os problemas sociais do Rio de Janeiro com extrema sensibilidade.

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Os problemas do período são dissecados, da corrupção à violência e desigualdade social

As curiosidades da vida de Barreto são uma atração à parte, como suas influências literárias, os costumes boêmios e o contato com personalidades como Sérgio Buarque de Holanda, Monteiro Lobato – que foi seu editor –, e os eruditos da Roda da Confeitaria Colombo. Digno de nota que ele não frequentava o local. Preferia o Café Papagaio, ponto mais “underground“, digamos assim.

Vale a pena ler?

Triste República: A Primeira República comentada por Lima Barreto é um quadrinho com muita informação em relativamente poucas páginas. O exercício de condensação de um período que teve 13 presidentes, sem esquecer nenhum fato importante, obviamente geraria densidade e folego para os balões e recordatórios.

Se isso pode ser malvisto na arte sequencial de ritmo ágil do nosso tempo, onde busca-se falar mais pelos desenhos do que pelas letras, é (mais do que) justificável em obras historiográficas como essa, onde o rigor e o detalhismo são necessários.

E é justamente a qualidade da narrativa de Lima Barreto – “escritor militante” e sarcástico –, nos afastando da versão oficial e chapa-branca dos fatos, que torna Triste República tão maravilhoso. Algo possível pela competência e excelente pesquisa dos responsáveis pela obra.

A arte de Spacca é leve e cartunesca. Ajuda a aliviar a densidade de informações e turbulências do período. As cores são igualmente interessantes.

Triste República tem 19 capítulos divididos por questões centrais, como “A Revolta da Vacina” e “A República do Café”, normalmente em ordem cronológica, com algumas voltas para cobrir episódios paralelos. Apesar de um tributo a Lima Barreto, o quadrinho busca ser fiel a realidade, mostrando temas como o alcoolismo em sua vida. Facilmente destacável entre as melhores HQs nacionais de 2022.

Gostou do texto? Leia outros Ultimatos do David Horeglad (HQ Ano 1) para o UB!

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Avaliação: Excelente!

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Créditos:
Texto: David Horeglad – @hq_ano1
Imagens: Reprodução
Edição: Diego Brisse
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