Gideon Falls é a prova máxima da versatilidade de Jeff Lemire. O autor, que é responsável por séries de sucesso como Arqueiro Verde, Black Hammer: Era da Destruição e O Soldador Subaquático, mostra de vez porque é um dos mais produtivos e relevantes escritores da atualidade.
É difícil vermos boas séries de terror e Lemire não decepciona, entregando uma HQ que desperta curiosidade e pavor ao mesmo tempo no leitor.
Gideon Falls teve seus volumes lançados no Brasil quase que simultaneamente aos EUA pela Editora Mino – vale lembrar que lá fora o encadernado da HQ só sai após as edições saírem em formato individual. A série começou a ser publicada em 2018 e conta com três encadernados até o momento, todos publicados no Brasil.
A história de Lemire ganha ares ainda mais assustadores no traço de Andrea Sorrentino.
Gideon Falls é o nome da cidade onde toda a trama de Jeff Lemire se passa. A história acompanha dois personagens distintos que – aparentemente – não possuem nenhuma relação direta: um padre e um garoto órfão com obsessão por lixo e por um tal “celeiro negro”.
A trama se desenvolve ao redor desses dois personagens até que, obviamente, a história se cruza. Mas acontece muita coisa até isso acontecer.
Ambos os personagens não estão onde acham que deveriam e muito menos onde gostariam. O padre é mandado para a pequena cidade do interior pelo bispo da igreja contra a sua vontade (o passado do padre e a construção do personagem são um show à parte); a vida do adolescente obsessivo é um eterno “entra e sai” de instituições mentais.
O objeto amaldiçoado, o tal Celeiro Negro, começa a se fazer presente na história aos poucos e só se revela de verdade depois de estarmos MUITO envolvidos com os personagens.
O cuidado que Lemire tem em nos envolver emocionalmente com eles, seja por afeto ou por asco, torna a leitura muito mais atrativa. O grande problema de filmes (e livros) de terror é justamente esse: eu preciso me importar com os personagens antes de vê-los em perigo. E isso o escritor faz com maestria!
O órfão atormentado pelo Celeiro Negro é um dos protagonistas de Gideon Falls da Image.
Gideon Falls é um terror inteligente que me lembra muito a série Dark (2017 – atual) da Netflix: é bem pensada e desafiadora sem ser arrogante e impossível de acompanhar. Não é aquele tipo de obra que fingimos que entendemos para não passar vergonha.
Lemire ainda é hábil em mudar os rumos da história ao mesmo tempo em que nos fornece informações “com conta-gotas” – e tudo isso sem enrolar e perder o ritmo de desenvolvimento.
Os coadjuvantes, como a Dra. Xu e a Xerife Miller, são muito bem pensadas e ninguém está na história por acaso. Cada detalhe e cada balão ajudam o leitor a entender o mistério do Celeiro Negro.
O mais interessante nas escolhas de Jeff Lemire para a série é que mesmo tendo um artista do calibre de Andrea Sorrentino (que na minha visão se encaixa muito mais no terror do que em uma HQ de super-heróis) ele opta por não apelar para a violência gratuita e gráfica como aspecto principal.
Óbvio que Sorrentino tem seus momentos de brilhar (o design do “ser sorridente do escuro” é bem impressionante e assustador) mas o terror em Gideon Falls é muito mais psicológico e baseado em suspense do que sanguinolento.
Um dos assustadores desenhos de Sorrentino em Gideon Falls da Image Comics.
Gideon Falls é terror inteligente em sua mais pura forma: o susto e o choque ainda estão ali, mas a construção dos personagens e da narrativa é o que impulsiona o medo na HQ de Jeff Lemire e Andrea Sorrentino.
Encontrar boas obras de terror, seja no cinema ou nos livros, é um desafio gigante. É muito bom quando nos deparamos com uma série bem desenvolvida e que nos envolve de verdade! Se alguém te falar que tem dúvidas do talento de Lemire, adicione Gideon Falls à lista de obras que provam que ele é um dos grandes roteiristas da atualidade!
Fãs de terror, uma dica: não percam Gideon Falls.
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