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Asterios Polyp de David Mazzucchelli – O Ultimato

Em 20 de Jun de 2023 5 minutos de leitura
Asterios Polyp de David Mazzucchelli – O Ultimato

David Mazzucchelli é sempre lembrado pelos fãs de quadrinhos de super-heróis por ter desenhado os arcos A Queda de Murdock (1986) na clássica revista Daredevil (1964) e Batman: Ano Um (1987), ambos roteirizados por Frank Miller e listados entre as melhores obras de Marvel e DC Comics.

Nos anos seguintes, Mazzucchelli focou em trabalhos mais autorais, inclusive em uma parceria com Paul Karasik e Art Spiegelman que resultou no clássico City of Glass (2004), adaptação do livro Cidade de Vidro (1985), de Paul Auster.

O magnum opus do autor, porém, é Asterios Polyp, publicado originalmente em 2009 pela Pantheon Books. Em 2010, a obra rendeu três Eisner e três Harvey Awards, incluindo o de melhor novela gráfica em ambos. No ano anterior, a HQ recebeu o Los Angeles Times Book Prize Graphic Novel Award.

A editora Quadrinhos na Cia. foi a responsável por trazer Asterios Polyp ao Brasil, a primeira edição em 2011 e a segunda em 2022, com 344 páginas coloridas e capa cartonada.

Qual a trama de Asterios Polyp de David Mazzucchelli

A história que conhecemos é a do Asterios Polyp, professor catedrático de uma universidade em Ithaca, interior do estado de Nova York. Mesmo passando a maior parte do tempo no município, sua base era um apartamento em Manhattan.

De início, vemos ele desiludido, atingindo os 50 anos, com o imóvel em uma desorganização oposta à sua personalidade. Asterios é mulherengo, esteta e narcisista. Naquela noite de trovoada, o prédio pega fogo e o protagonista muda os rumos de sua vida, entrando num ônibus em direção aleatória com o dinheiro que tem na mão.

Asterios Polyp de David Mazzucchelli – O Ultimato

Após perder tudo, o excêntrico arquiteto Asterios recomeça a vida como mecânico no interior

O destino é Apogee, nome simbólico – traduzido seria “Apogeu” –. Diferente do que se pode imaginar, é uma pequena cidade, onde Asterios vai trabalhar como mecânico – no primeiro estabelecimento comercial que ele vê – e morar de aluguel no quarto da família de seu empregador.

A partir daí, os capítulos intercalam entre o presente, em Apogee, e o passado, por meio de onde vamos entendendo melhor o personagem e o caso de amor que o deixou deprimido. O narrador da história é o irmão gêmeo do protagonista, Ignazio, natimorto. Utilizando-o, em alguns momentos o autor faz um jogo de espelhos onírico que serve para adentrarmos nos conflitos internos do arquiteto.

Na universidade, anos 1980, Asterios conhece sua então futura esposa, Hana Sonnenschein, professora e artista nipo-americana. Nessas idas ao passado, Mazzucchelli mostra o casal desde a infância, o que na progressão do roteiro nos ajuda a entender melhor a personalidade deles.

O foco do enredo é a evolução do protagonista e a história do casal. Justamente no presente, largando todas as pompas de um acadêmico nova-iorquino com livros de sucesso, vemos o amplo conhecimento teórico do personagem dar lugar a sabedoria. Asterios, um “arquiteto de papel” que nunca teve seus premiados projeto construídos, começa a fazer de sua inteligência algo, de fato, funcional – que o diga a oficina de carros –.

A família que o acolhe tem papel de destaque: Stiff Major, o dono da mecânica, a mulher Ursula Major, voltada para o misticismo, e o filho Jackson. O que houve com Hanna e como acabou o relacionamento? Asterios é o culpado por afastá-la, conforme o egocentrismo dele pode nos fazer pensar? São perguntas que vão sendo respondidas durante a HQ.

Asterios Polyp de David Mazzucchelli – O Ultimato

A arte nas páginas de Asterios Polyp é extremamente criativa e dialoga com a narrativa

Vale a pena ler?

O romance e a evolução de Asterios, por si só, parecem interessantes. Uma história com teor adulto e nenhuma predisposição a comédia “água com açúcar”, embora agridoce – dramática e bem-humorada –.

Mas é na riqueza simbólica e na ampla utilização dos recursos da arte sequencial que Asterios Polyp se torna o que é. Tamanha a meticulosidade de Mazzucchelli que a trama e a arte se misturam análogos ao simbólico, um trabalhando pelo outro se tornando uno.

O autor cruza elementos de diversas origens intelectuais ao estilo Neil Gaiman em Sandman (1989-1993). Exemplos são filosofia, estética, design, arte, arquitetura, psicologia. No entanto, ele vai além, pois se utiliza de algumas dessas teorias como forma de construção do quadrinho. A estética, que para Asterios está nos designs de interiores e de arquitetura, para Mazzucchelli está em cada grid.

As visões de mundo dos personagens são projetadas em seus próprios traços ou cores – até nas diferenças de balões –. A estética externa reproduz o interno. Asterios é desenhado mais do que em traço limpo: é geométrico. Sempre em variações do azul. É assim que ele costuma ver tudo. 

Já Hanna é cheia de hachuras, orgânica, com as imprecisões e confusões de ser humano, sempre em tons de rosa. É por meio disso que Mazzucchelli consegue apresentar com maestria o relacionamento humano e questões como a alteridade. Ver a estética de um personagem se mesclar ou não com a de outro em determinado momento, como representação dessa “troca”, é simplesmente genial e próprio dos quadrinhos.

Para mostrar o interior, Mazzucchelli desenha cada personagem em um estilo, que se mistura quando conectados

Nessa trama de matérias, inúmeras reflexões aparecem. Por exemplo, o rigor formal de Asterios imprime algo da alma? “Tudo que não é funcional é meramente decorativo”, ele diz, em nítida alusão à Bauhaus. 

Aí, Mazzucchelli brinca com aquele antigo paradoxo. Se por um lado funcional é servir a vida cotidiana, o que está no decorativo? Naquilo sem função, para além dos fetiches e replicação de conceitos oligárquicos? Ok. Tendo a dizer que o afeto. Com afeto, Hana conseguiu tocar o que parecia impermeável. Deu vazão ao subjetivo no rigor teórico e egocêntrico de Asterios.

Dá para falar de centenas desses incríveis detalhes de Asterios Polyp. As referências à Grécia Antiga, como no próprio nome de Polyp – originalmente Polyphemus, ciclope filho de Posidão –, e ao design, como na famigerada cadeira Marcel Breuer que queima no apartamento. A cabeça de Asterios é normalmente desenhada de perfil, ou de um lado ou de outro, refletindo a crença da dualidade com que ele vê o mundo, priorizando simetrias, contrapesos, sempre racional.

Curiosamente, três objetos extremamente funcionais – um isqueiro, um relógio de pulso e um canivete suíço – são salvos do incêndio pelo arquiteto justamente por seus valores afetivos. Asterios Polyp não deixa de ser uma sátira àquela parte da elite cultural e do zeitgeist que, em sua vanguarda, discute o sexo dos anjos sem ter muita visão social prática. Por mais progressista ou supostamente pragmático que seja o discurso.

As possibilidades narrativas exercitadas por Mazzucchelli nos fazem viajar em sua criatividade – quem gostar da diversão pode seguir com Gustavo Piqueira, fica a dica! –. Um prato cheio para fãs da semiótica. Junto de obras como Maus: a história de um sobrevivente (1980-1992) e Aqui (2014), Asterios Polyp está entre as HQs mais célebres e marcantes que já li.

Gostou do texto? Leia outras matérias do David Horeglad (HQ Ano 1) para o UB!

EM ONDAS (2021) – O ULTIMATO

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PAU E PEDRA (2004) – O ULTIMATO

Avaliação: Impecável!

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Créditos:
Texto: David Horeglad – @hq_ano1
Imagens: Reprodução
Edição: Diego Brisse
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