Conheça o sci-fi de suspense que satiriza a política atual nas terras do sudeste brasileiro em: Beliscão de Camilo Solano
Beliscão é uma novela gráfica de distopia e ficção científica publicada no fim de 2022 pela editora Pipoca e Nanquim, 198 páginas coloridas, capa dura. Roteiro e arte são de Camilo Solano, autor de Cidade Pequenina (2021) e da MSP Cascão: Temporal (2020).
O nome do quadrinho vem de um doce de goiaba típico da culinária brasileira, também chamado de goiabinha, o que faz todo sentido na história.
Quem conhece a cidade de São Paulo perceberá diversas referências geográficas. Politicamente, basta ser brasileiro para se conectar ao contexto da obra, que critica e satiriza as recentes vivências e sobrevivências do país. No meio de tudo isso, dá para pescar homenagens a grandes obras do sci-fi.
Na São Paulo distópica de Camilo Solano, o sorriso é obrigatório e monitorado pelo System
Qual a trama de Beliscão de Camilo Solano?
Em algum momento “entre amanhã e o futuro”, o System é responsável pela administração autoritária e perversa de São Paulada, uma capital brasileira que consumiu e consome os escassos recursos naturais do país. Essa dinâmica faz com que todas as cidades em volta se tornem desérticas e precárias.
Os habitantes tiveram que se acostumar com comida processada, ansiolíticos e uma linguagem nova, baseada no estrangeirismo norte-americano. O único parque, no Ibirapuera, é resguardado em um aquário de cinco metros onde filas quilométricas permitem aos cidadãos fazerem um tour virtual (!) pela área verde.
Obviamente, as transgressões tornam-se cada vez mais legítimas. É em um tipo de passagem secreta que Plínio, o protagonista, se encontra com os amigos Suzie e Zael. Nesse canto escondido da metrópole, vemos as antigas lanchonetes e padarias, onde os jovens podem pedir uma média e um pão na chapa, por exemplo. Sim, a comida brasileira é proibida pelo System na São Paulada dos “black coffes” e “orange juice with donuts“, conforme o “full menu“.
As lives são obrigatórias e as transgressões de Plínio levarão sua cabeça a prêmio
A reprodução de músicas antigas, como as demais transgressões, é punida com a morte. O julgamento é automatizado e dura pouquíssimos minutos – fazendo inveja a qualquer Mega City –.
Diariamente, todos precisam fazer uma live nos padrões determinados pelo System, para o controle populacional. Eis que Plínio, apaixonado pelas músicas antigas que sua avó cantava, torna-se foragido após tocar uma delas em sua live. “João do Divino Amor”, de Gonzaguinha.
A história começa aí, nesse contexto. O protagonista precisará arranjar um jeito de fugir da supervigiada São Paulada para a cidadezinha de seu primo de terceiro grau, de pouca tecnologia e, lá, se salvar dos “cidadãos de bem” submissos à lavagem cerebral do System e das habubs, estranhas tempestades de areia que tem dizimado os interioranos.
Vale a pena ler?
A linha de condução do quadrinho é, de fato, simples, no maior estilo sci-fi blockbuster, para entrar na onda dos estrangeirismos. Plínio precisa sobreviver com a cabeça a prêmio. Tem ação, suspense e diverte.
Assim como no interior da capital paulista, o de São Paulada é repleta de cidadãos de bem
Mas é nas referências e entrelinhas que Beliscão se destaca. Recorda, de forma mais leve, o inteligente humor argentino pós-ditadura de Enrique Breccia, cheio de jogos de palavras. Solano brinca e ironiza com temas sensíveis de forma esperta.
Entre eles estão o armamento da sociedade, o incentivo institucionalizado da violência, os interesses do agronegócio e a aculturação. Paralelamente, surgem os problemas mais universais, como o consumo de processados e a necessidade de parecer feliz o tempo todo – legado das redes sociais –. O que combater com tanta alegria?
É interessante buscar o que o autor quis colocar em cada página. Grandes cercas referenciando a arquitetura do medo, aviões despejando agrotóxicos carcinógenos e a estética das campanhas de marketing ao estilo “Sonho Americano”. Além das alusões aos clássicos da ficção científica, como O Incal (1980-1988), e ao mundo da música.
A arte de Solano é cartunesca e engraçada, lembrando, para os trintões, os bons tempos de Nickelodeon. As cores são cheias de tons roxos e amarelos que aumentam o clima de estranheza.
Não é uma HQ com críticas genéricas ou atemporais – esperamos –. A música de Gonzaguinha marca poeticamente a realidade. Chama atenção a reta final e conclusão da história, imprevisível, bem humorada e sem entregar com facilidade o que o leitor quer: um final feliz redondinho. Talvez cíclico.
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Avaliação: Excelente!
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Créditos:
Texto: David Horegald – @hq_ano1
Imagens: Reprodução
Edição: Diego Brisse
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