Ultimato do Bacon

Chapa Quente de André Kitagawa – O Ultimato

Em 2 de Mar de 2023 5 minutos de leitura
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Conheça Chapa Quente de André Kitagawa, coletânea com 21 histórias curtas do autor de Risca Faca

Chapa Quente – 7 histórias de André Kitagawa, conforme o título anuncia, reúne diversas HQs curtas do autor. Foi lançado em 2006 pela editora Atrito Art, com publicações que saíram originalmente em diversos sites e revistas (Grafitti, Front, Cybercomix, etc.) entre 1996 e 2002.

As mesmas histórias resultaram na peça “Chapa Quente”, em cartaz por dois meses em 2006 no Teatro Viga, Sumaré, zona oeste de São Paulo. O diretor e responsável pela adaptação foi o dramaturgo Mário Bortolotto, do Grupo Cemitério de Automóveis. Kitagawa foi codiretor.

A edição da (Editora) Monstra, publicada no fim de 2022, intitulada apenas Chapa Quente – como a peça –, traz 14 outras histórias de Kitagawa. No total, são 22 HQs, formando uma antologia do quadrinista, mesmo autor de Risca Faca (2021), diga-se de passagem.

Nas novas histórias, encontramos desde resgates mais antigos, como a Gothan, originalmente publicada na revista Rino em 1992, e a inédita O Vingador – Uma HQ Catástrofe. Diferente de Risca Faca, o que vemos em Chapa Quente é a experimentação de Kitagawa, variando nas possibilidades de desenho e roteiro.

Qual a trama de Chapa Quente de André Kitagawa

Chapa Quente abre com Isto não é uma história de amor (Cybercomix, 1999), de 7 páginas. A arte que parece inspirada nas colagens de rua, cheia de texturas pré-prontas, nos apresenta um protagonista sem nome cujo pai alcoólatra acerta na Mega-Sena e morre.

É a história de um psicopata. “Bebedeiras-rachas-put*s-drogas-subornos-vandalismo-atentados ao pudor-armas-advogados-etc etc…” O herdeiro faz tudo de pior, inclusive quando encontra a menina que o ignorava na escola – com dinheiro, a coisa muda –.

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O Problema é o primeiro quadrinho premiado de André Kitagawa, em 2000

A fortuna transformou o garoto em um pária ou deu vazão ao que ele era? Podemos ser mais detalhistas nas perguntas: esse protagonista se desvirtuou por ser um jovem marginalizado com pai alcoólatra e violento? Ou ele se tornou criminoso após o dinheiro bater à porta e garantir-lhe privilégios? Ou tem simplesmente uma predisposição neurológica?

Talvez tenhamos essa resposta ao final da breve leitura, violenta, reflexiva e impactante. E nessa pegada, visceral, seguem as outras histórias de Chapa Quente, com Kitagawa dando muita abertura às construções de cada leitor.

Em Balada Sangrenta (Cybercomix, 1999, e 1ª ed., 2006), novamente uma curta HQ de um jovem assassino, mas trazendo as agruras da prisão e um fechamento de humor ácido.

Crash (BraSilian Heavy Metal, 1996) e Mariza? (Front #9, 2002, e 1ª ed.) parecem absorver influências do cordel. A primeira destrincha um acidente de carro e a segunda faz um paralelo de cenas que ajudam o protagonista, até então dividido entre duas mulheres, a se decidir.

Na Vagabundo (Graffiti #2, 1996, e 1ª ed.), Kitagawa junta a violência dos bares risca faca com suspense de espionagem, com foco num preguiçoso protagonista.

A sequência Os 15 Minutos de Ed (Front #12, 2002), Meu Sonho de Consumo (Graffiti #9, 2001), com colagens e cubismo, e O Problema (2000) é de HQs curtíssimas e espertas, cada uma com duas páginas. A última, inclusive, sobre o primeiro assassinato de um garoto, é um bom prenúncio do estilo artístico que marcou Kitagawa em Risca Faca e foi vencedora do 1º prêmio na categoria “Quadrinhos” do Salão Internacional de Humor de Piracicaba de 2000. 

Gothan (Rhino, 1993), já mencionada, é uma paródia que brinca com as possibilidades fascistas do Batman, onde o autor se aproxima providencialmente de influências do mainstream nos traços. Com Três Matou Feto (HQ – A Revista do Quadrinho Brasileiro #3, 2000) voltamos aos bares risca faca, levando em conta a resolução de um assassinato a o jogo de palavras.

Faísca Existência (Front #10, 2002, e 1ª ed.) rendeu a capa de Chapa Quente – 7 histórias de André Kitagawa e fechava o livro naquela ocasião. Indica a possibilidade de escolhermos nossos caminhos e o quanto quem está próximo pode fazer a diferença. Nela, o protagonista, aparentemente à revelia da companheira, deve passar no teste inicial para se tornar assassino de aluguel. Com poucas palavras, o autor consegue carregar o personagem de emoções.

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O autor sabe transmitir emoções em cenários urbanos e com pouco texto

Uma das preferidas deste que vos escreve é Super T (Front #11, 2002, e 1ª ed.). Enquanto um maconheiro viaja na possibilidade de ser um super-herói, a realidade das ruas mostra um recorte violento de como funciona um sistema de privilégios no mundo do crime.

Nela, o casal bem abastado é assassinado pelo ladrão quando se perde em área de risco. Uma reviravolta se dará e percebemos que no topo da pirâmide do narcotráfico, de alguma forma sofrendo e se beneficiando com isso, está um engravatado. As duas linhas – maconheiro em casa vs. assassinato na rua –, uma apática e outra tensa, contrapõe paradoxos. O capítulo é também o com mais variedade de cores – a maioria das histórias é em P&B –, servindo de elemento chave na trama.

O Pacote (Cybercomix, 1999, e 1ª ed.) é sobre uma transa casual que, somada ao recebimento de um pacote, serviria de insight para a mudança de vida.

Após a curta e inédita Contra Ele é Preciso Jogar Sujo! Amor Banal, feita em 2003, vem a HQ que recebeu menção honrosa no Festival Internacional de Humor e Quadrinhos de Pernambuco de 2007. Últimas Notícias, com traços nitidamente digitais, contrasta as notícias trágicas – e reais – de um rádiorrelógio com a tranquilidade de seu ouvinte em um apartamento elitizado com bela varanda.

Paranga Insana (Cybercomix, 2000, e 1ª ed.), com arte mais orgânica, mostra um grupo de amigos indo para uma festa. Antes, se envolverão em um caso policial insano ao tentar comprar drogas.

É com λ#λ (Projeto Gazzara, 2012), de futuro distópico e composição única, que entramos na sequência de sci-fi e terror de Kitagawa, ainda com seu estilo característico. Em Psicose (O Fabuloso Quadrinho Brasileiro, 2015), o autor dialoga com o real e o imaginário, o interno e o externo de um psicótico. Um sujeito “humano” vive no mundo extremamente comum – roupa social, metrô, escritório cheio – onde todos os outros são monstros e demônios.

Pizza Man (Ragú #9, 2022) caberia facilmente como “extra” de Risca Faca, consideravelmente simbólica. Um casal de milionários causa a tragédia de um homem e uma mulher pobres. O desenrolar de hipocrisia da dupla arremata a trama. Ao fim, assistem a vida dos dois que prejudicaram pela TV como algo inspirador. Os detalhes ficam para a leitura.

PL:ugz-iiik – Ou Que Porra é Essa? (Coyote, 2015) tem a conclusão mais tragicamente bem-humorada. É sobre jovens que encontram um extraterrestre num campinho de futebol.

A inédita O Vingador – Uma HQ Catástrofe encerra Chapa Quente de forma inspirada. Um vírus faz de uma cidade urbana uma cidade fantasma, no estilo série de zumbi, com direito a hordas de infectados. Nessa realidade, acompanhamos o poético resultado do encontro de um casal.

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Pizza Man é uma das HQs em que roteiro e arte mais dialogam com Risca Faca

Vale a pena ler?

Há algo que une as curtas histórias de Chapa Quente, mesmo com a evolução, diversidade e versatilidade da mão de André Kitagawa. O Brasil urbano grita visceral nas páginas das HQs, com sujeira, violência, assassinatos e amor nesse caldo de realidade. 

Há uma inclinação nos personagens de Kitagawa para a passagem ao ato, mas às vezes isso muda, como em Faísca Existência. A desigualdade social e a impunidade de quem tem privilégios são evidenciadas. Sem, no entanto, o tom militante, didático ou maniqueísta.

Kitagawa faz voo livre em suas criações e isso é estimulante. Um registro da criatividade do autor e do quadrinho nacional que, segundo ele (no posfácio de Chapa Quente), nos anos 1990 buscava uma identidade autoral que refletisse nossa cultura.

As referências a São Paulo, em alguns momentos diretas, são ótimas e contribuem para a ambientação, na qual qualquer morador de cidade grande poderá se ver representado. Das periferias aos centros abandonados e claustrofóbicos.

Apesar de o tamanho das histórias nos induzirem a acreditar que Chapa Quente é uma leitura rápida, a verdade é que cada uma merece ser lida e relida com calma e atenção, sentida e refletida. Vale a pena!

Gostou do texto? Leia outros Ultimatos do David Horeglad (HQ Ano 1) para o UB!

SONHONAUTA (2022) – O ULTIMATO

RISCA FACA (2021) – O ULTIMATO

CAROLINA (2018) – O ULTIMATO

Avaliação: Excelente!

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UB Chapa Quente de André Kitagawa 5 CAPA


Créditos:
Texto: David Horeglad – @hq_ano1
Imagens: Reprodução
Edição: Diego Brisse
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