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Sendero Luminoso: História de Uma Guerra Suja – O Ultimato

Em 23 de Ago de 2022 5 minutos de leitura
Sendero Luminoso História de Uma Guerra Suja (2)

Conheça uma das obras mais importantes do jornalismo em quadrinhos da América Latina: Sendero Luminoso

Em 28 de julho de 1980, Fernando Belaúnde assume a presidência do Peru por voto popular após os dois estadistas anteriores terem chegado ao poder com golpes militares.

Na sequência, em 28 de julho de 1985, o novo eleito, Alan García, do Partido Aprisa, é empossado. Este, até então vinculado à esquerda e com ligação à Internacional Socialista.

Na região Aiacucho, o Partido Comunista del Perú (PCP) conhecido como Sendero Luminoso (SL) – grupo guerrilheiro maoista liderado intelectual e estrategicamente por Abimael Guzmán – emplacou suas ações de guerrilha e expansão.

Em contrapartida, o governo peruano, com aval dos presidentes, permitiu a existência de uma espécie de governo militar – com carta branca, ou ao menos vista grossa, para tudo que se possa imaginar – naquelas províncias, liderado pelo general Luis “El Gaucho” Cisneros.

Entre 1980 e 1990, durante as administrações de Belaúnde e García, embora no discurso buscassem mostrar alguma índole progressista, o Peru viveu um dos momentos mais sangrentos de sua história.

Estima-se 70 mil mortes. Execuções extrajudiciais, desaparecidos, torturas, massacres, violência sexual e terrorismo. De cada quatro vítimas, três eram camponeses de descendência indígena dos Andes.

Sendero Luminoso: história de uma guerra suja (2016) é um documentário em quadrinhos sobre o período. Foi publicado no Brasil pela editora Veneta em 208 páginas, P&B, e reúne os títulos originais Rupay, historias gráficas de la violencia en El Perú 1980-1984 (2008), de Jesús Cossio, Luis Rossel e Alfredo Villar, e Barbarie: Comics sobre violencia política en El Perú 1995-1990 (2010), de Cossio. Todos peruanos, sendo o último o mais célebre quadrinista do país.

Qual a trama de Sendero Luminoso: história de uma guerra suja

O quadrinho tem início na pequena vila Chuschi, na madrugada de 17 de maio de 1980, quando um violento grupo armado roubou e queimou as urnas, listagens e atas eleitorais do sufrágio presidencial a ser realizado. Foi o início oficial do Sendero Luminoso.

O grupo era dissidente do Partido Comunista Peruano – Bandera Roja, de 1964. Diferenciava-se por sua ideologia maoista chamada de “Pensamento Gonzalo”, o foco na “guerra popular” e a liderança messiânica do autoproclamado “presidente Gonzalo”, Abimael Guzmán.

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Não existia clemência aos que desobedeciam ao SL

Anos antes, professor de filosofia na Universidad Nacional San Cristóbal de Huamanda, Guzmán aproveitou a influência para conquistar a juventude com seus discursos revolucionários. Esses jovens, filhos de camponeses, nos anos 1970 voltaram às suas comunidades e criaram dezenas de escolas populares, onde o Estado não havia chegado e o “Pensamento Gonzalo” era disseminado.

Durante os meses seguintes ao ataque às urnas, as ações e os atentados do grupo foram aumentando. Em outubro de 1981, o Sendero Luminoso entrou atirando em uma delegacia em Tombo, matando um pai, o filho de nove meses e um policial. Foram os primeiros assassinatos que ganharam a mídia, segunda história apresentada no livro.

Quinhentos suspeitos de fazerem parte do SL foram presos pelas forças policiais após ser decretado estado de emergência em cinco províncias de Aiacucho. Entre eles, a minoria do partido, mas alguns dos principais líderes, como Carlos Alcántara e Edith Lagos. A resposta do Sendero Luminoso foi um ataque à prisão de Huamanga, libertando quase 300 presos em 2 de março de 1982.

No dia, a polícia republicana não teve ajuda do Exército, mesmo pedindo. A suspeita é a de que foi uma estratégia militar para a ação do SL ser bem-sucedida, aumentando a raiva dos agentes das forças de segurança e gerando medo na população, que passaria a apoiar seu enfrentamento.

Cada massacre determinante para a guerra é contado na HQ, seja de autoria do Exército ou do Sendero Luminoso. Tanto o governo quanto os militantes comunistas buscavam o domínio das vilas de Aiacucho das piores formas imagináveis.

Quando os militares suspeitavam que um ou mais camponeses eram “terrucos” – forma como são chamados pejorativamente os comunistas no Peru –, a resposta, invariavelmente, era com violência e morte. Muitas vezes em grupo. Os estupros coletivos e torturas também eram comuns.

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A HQ é repleta de cenas fortes, como o ataque à delegacia

O inverso era semelhante. Quando o Sendero Luminosos desconfiava de “contrarrevolução”, os camponeses sofriam com o terrorismo e genocídio. Não havia diferenciação de tratamento para mulheres e crianças. Muitos, para não morrer, trabalhavam praticamente como escravos para alimentar os militantes.

Acrescenta-se a isso a morte de diversos jornalistas e a criação do Tribunal Militar da Zona de Emergência, que julgava os policiais e soldados que cometiam crimes. Na prática, a maioria dos casos resultava em absolvição, arquivamento, extinção ou penas brandas.

No caso da matança de Accomarca, por exemplo, de 14 de agosto de 1985, após violentarem as mulheres, os soldados mataram mais de 60 moradores desarmados com fogo, tiros e granadas. Materiais do PCP não foram encontrados nas casas. Cerca de um mês depois, testemunhas ainda vivas foram assassinadas. A conclusão da Corte foi que os responsáveis “cumpriram com suas obrigações militares e se ativeram ao modus operandi previsto para a entrada em povoados, interrogatórios sumários e capturas de suspeitos de terrorismo.”

Já Guzmán, do outro lado, justificava as mortes civis pelas mãos do SL como um custo de guerra, “a necessidade do sacrifício de uma parte para o triunfo da guerra popular.” Somando as duas obras reunidas, são mais de 10 histórias que, juntas, contextualizam e dão o panorama do que aconteceu naquela região na década de 1980.

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Não existia limites para o Exército contra os camponeses nas “zonas vermelhas”

Vale a pena ler?

Por isso, como jornalismo em quadrinhos (JHQ) e retrato histórico de uma época sangrenta do Peru, a obra acerta em cheio. Semelhante a livros historiográficos, os autores buscam não apenas contar o que houve, mas trazer a contextualização do que gerou aquilo.

O rigor com ambos os lados da guerra por parte dos quadrinistas e a busca dos detalhes, documentos, depoimentos e investigações, dos jornais da época, além da memória popular – sempre indicando o que é o que – dão credibilidade aos relatos.

A arte de Cossio e Rossel serve bem a seu propósito. Lembra um pouco Joe Sacco, mas com influência latina. Os efeitos de profundidade, luz e sombra acabam diferenciando Rupay, historias gráficas de la violencia en El Perú 1980-1984 de Barbarie: Comics sobre violencia política en El Perú 1995-1990.

No primeiro, a arte é mais limpa e colorida com tons de cinza. Pontualmente, a cor vermelha aparece para destacar o sangue ou a bandeira comunista. No segundo, a cor cinza é substituída por hachuras e traços dando os efeitos de textura e profundidade. Na prática, fica com uma característica mais underground e menos palatável para quem não está acostumado – se é que há algo palatável na HQ –.

As memórias da violência recente sofrida em Aiacucho, fruto dos pensamentos extremistas e do descaso governamental com os mais pobres, enfrentam até hoje tentativas de apagamento em seu próprio país. Por aqui são quase desconhecidas. Conforme diz a sabedoria popular, conhecer a história nos ajuda a evitar os erros do passado. Sendero Luminoso: história de uma guerra suja, portanto, é um doloroso mas necessário relato de parte da história da América Latina.

Avaliação: Excelente!

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Créditos:
Texto: David Horeglad – @hq_ano1
Imagens: Reprodução
Edição: Diego Brisse
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