Ultimato do Bacon

Jordan Peele e Nós: afinal, o que há de novo no trabalho desse autor?

Em 20 de Mar de 2019 6 minutos de leitura

Saiba mais sobre a carreira do produtor, diretor e roteirista e também sobre seu novo longa, Nós, que estreia nesta quinta 21 de março, nos cinemas brasileiros

por Alexandre Baptista

 

Depois de causar forte impacto em toda a cultura contemporânea e estabelecer um novo padrão de filmes de terror provocadores e socialmente conscientes com Corra! (Get Out, 2017) – sua estreia como diretor – o visionário e vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Original, Jordan Peele, volta com outro pesadelo original que ele mesmo escreveu, dirigiu e produziu, Nós (Us).

Um grande exemplo de pessoa multifuncional, antes do estrondoso sucesso de Corra!, Peele era mais conhecido por seus personagens cômicos na MADTv (2003-2008), cujos sketches ele também escrevia; e diversos trabalhos de voz original em Frango Robô (Robot Chicken, 2014) e Rick & Morty (2015), e outros trabalhos, tendo inclusive feito uma imitação satírica do então presidente Barack Obama em um teste para o Saturday Night Live em 2007.

Em 2015 começou a se aventurar pela produção, tendo conseguido algum sucesso com a série Ithamar Has Nothing to Say (2015) e Key & Peele (2012 – 2015), onde apresentou em alguns episódios sua imitação de Obama.

Porém, foi o sucesso de Corra! que colocou Peele na atenção da crítica e do público – em um gênero um pouco mais sombrio – o terror. Com uma carga política e social densa e reflexões típicas do gênero (que muitas vezes discute questões filosóficas, políticas, éticas e sociais sob o véu principal dos monstros, aberrações, zumbis e vampiros, o primeiro longa escrito, produzido e dirigido por Peele demonstrava familiaridade com o universo, total domínio da narrativa e maestria no equilíbrio entre as atuações, o ritmo e o desenrolar da trama.

E foi antes mesmo de terminar Corra! que as ideias de Nós foram surgindo, prometendo um filme ainda mais aterrorizante que o primeiro e pretendendo ir mais fundo psicologicamente.

“A ideia deste filme veio de um medo profundo de sósias. Adoro histórias sobre sósias e os filmes que lidam com elas, e quis dar minha contribuição para a galeria de filmes sobre isso. Gostei da ideia de nós mesmos sermos nossos piores inimigos. É uma verdade que, no fundo, todos nós sabemos, mas gostamos de esconder. Culpamos o forasteiro, culpamos ‘os outros’. Neste filme, o monstro tem os nossos rostos”, diz o diretor.

A ideia de um “duplo mau” ou “gêmeo maligno” está nas origens humanas e é tão antiga quanto a narrativa em si. No cinema de terror, o mote já foi explorado em longas como O Enigma de Outro Mundo (The Thing, 1982) e outros, que podem ser conferidos na lista especial de 7 filmes de terror com sósias elaborada pelo Ultimato do Bacon.

“Sósias sempre causaram medo”, diz Jordan Peele. “Acho que estão ligados ao nosso senso de mortalidade. Não é possível ambos existirem ao mesmo tempo, então um tem que ir embora. Na mitologia, os sósias costumam ser um mau presságio ou o prenúncio de uma morte. Eu quis desenvolver a história a partir desse medo atávico”.

Na busca pela identificação dos nossos medos mais primitivos e do que eles podem representar, Peele explorou coisas que não só perfazem as profundezas da psique humana, mas também a identidade nacional da América:

“Eu costumo me inspirar em meus próprios medos. Eu me questiono sobre o que é mais assustador para mim mesmo. Neste caso, foi a ideia de ver a mim mesmo. Em seguida, eu penso em qual é o verdadeiro tema, em por que ver a nossa própria imagem é algo tão assustador. Ninguém quer realmente ver seus defeitos, sua culpa, seus demônios. Todos nós queremos olhar para outro lado”.

Essa tendência a projetar nossos próprios medos, ansiedades e revolta também é um componente endêmico da cultura americana.

“Neste país e na forma com que este país olha para o mundo, temos medo de forasteiros”, diz o diretor. “Ele é construído sobre o medo de tudo, de terrorismo a imigração. Um dos mais importantes filmes de terror que continham uma forte mensagem social é A Noite dos Mortos-Vivos (The Night of The Living Dead, 1968), de George A. Romero. Aquele filme era sobre racismo embora ninguém fale sobre racismo no filme. Eu quis usar essa abordagem neste filme”, comenta.

Enquanto Corra! confrontava verdades veladas sobre o racismo na América, Nós nos conduz para o próprio sonho americano.

“Este filme opera em vários níveis”, diz o produtor Ian Cooper, que conhece Jordan Peele desde que eles eram adolescentes. “Parece ser um suspense aterrorizante, você pode vê-lo e gostar dele como se fosse isso mesmo, mas, no fundo, é sobre como coisas erradas que fizemos e pensávamos que não teriam consequências voltam para nos assombrar. E, por trás disso, é sobre como, na cultura americana, costumamos alegar que o problema são ‘os outros’, algum grupo diferente de nós mesmos. Neste script, Jordan nos traz um ‘outro’ que é uma força aterrorizante, que é nós mesmos”.

Jordan Peele desenvolveu a história em torno de Adelaide Wilson (interpretada por Lupita Nyong’o), que se perdeu dos pais (interpretados por Yahya Abdulmateen II e Anna Diop) em 1986, quando era criança, durante um passeio da família no calçadão de Santa Cruz – praia que também é cenário de Os Garotos Perdidos (The Lost Boys, 1987) – e vai parar em uma casa de espelhos chamada Vision Quest.

Sozinha, a pequena Adelaide (interpretada por Madison Curry) descobre, aterrorizada, algo que parece ser seu reflexo, mas é, na verdade, uma réplica hostil de si mesma. Ela foge, mas não tem palavras para explicar o que viu. E, certamente, ninguém entenderia ou acreditaria nela se ela contasse. Ao longo dos anos, ela tenta esquecer esse episódio, mas, agora adulta, retorna a Santa Cruz com a própria família e fica claro que o seu passado ainda a persegue.

“Adoro fazer filmes que são aterrorizantes, mas também são divertidos. Adelaide é uma mulher que sofreu um trauma e tem que lidar com ele ao longo da vida. Ela agora tem filhos, marido e uma perfeita família americana, mas esse trauma ainda existe em seu subconsciente. Ao retornar com a família para a casa em que cresceu, ela retorna para o lugar onde o trauma aconteceu. Ela começa a perceber que algo está errado. O pesadelo que ela viveu muitos anos antes voltou, e vem para perseguir sua família”, diz Peele.

“Para mim, este filme é ainda mais ambicioso e intelectual que Corra!. É muito impressionante, instigante e muito mais aterrorizante, no sentido tradicional do terror. Costumo descrevê-lo como um filme adulto da Amblin Entertainment [filmes de Steven Spielberg]. É sobre uma família que enfrenta uma versão maligna deles mesmos e tem que lutar pela própria sobrevivência. Os temas são mais sobre algo no que o país se tornou e envolvem uma espécie de retribuição kármica de como nos tratamos uns aos outros. Então é mais esotérico e mais profundo intelectualmente que a obviedade do racismo que exploramos em Corra!.” diz o produtor Sean McKittrick.

Nós também deu a Jordan Peele e sua equipe uma gama mais ampla de possibilidades do que Corra!, que praticamente só teve uma locação.

“A ideia era fazer algo um pouco diferente, aumentando a escala e ampliando o escopo da narrativa”, diz Ian Cooper. “Corra! era uma experiência íntima para a plateia. Ele se concentrava no personagem de Chris e sua experiência naquela casa. Já em Nós, Jordan teve a ideia de usar o conceito íntimo de se replicar alguém e estender isso a uma família. É sobre reconhecer como uma coisa que é problemática pode se estender ao seu companheiro, seus filhos, seus amigos e talvez além disso”.

Uma coisa notável, entretanto, é que o filme consegue ser intelectualmente estimulante sem deixar de ser um filme excitante e aterrorizante.

“É como uma mistura de filme de arte com filme pipoca. É esotérico. É complicado. Mas é eletrizante e assustador como qualquer grande suspense. A beleza deste filme é que o Jordan dá à plateia verdadeiro potencial para introspecção sem ser chato. A mágica do cinema dele é que, no fundo, ele faz filmes de arte, mas acaba sendo um grande sucesso de bilheteria”, diz Cooper

Sob muitos aspectos, Jordan Peele está construindo um gênero inteiramente novo. Nós é um filme repleto de reviravoltas dramáticas e chocantes. Qualquer expectativa que a plateia tenha ao entrar no cinema será superada até o filme acabar.

“É um filme que se revela para a plateia o tempo todo. São muitas camadas por baixo das outras, então o público nunca sabe realmente o que vai acontecer, mesmo que pense que sabe”, continua Cooper.

Peele diz que sua intenção era exatamente essa:

“Estou curioso para ver o que a plateia vai ver no filme. Existem ideias específicas que eu exploro e tento passar com ele, todas relacionadas com a nossa dualidade como seres humanos, com a culpa e os pecados que escondemos a fundo dentro de nós mesmos. Estou mais empolgado para ver como o público vai reagir ao fim do filme. O fim é bem louco”.

E certamente, muitos irão concordar com o diretor. Nossa crítica do filme pode ser conferida no Ultimato de 19 de março, onde reconhecemo a excelente surpresa que foi o filme, ficando acima das expectativas e realmente fazendo jus aos grandes mestres do cinema de terror. Talvez seja justamente o “velho” o que há de novo no trabalho de Jordan Peele.

 

Nós

Sinopse: Adelaide (Lupita Nyong'o) e Gabe (Winston Duke) decidem levar a família para passar um fim de semana na praia e descansar em uma casa de veraneio. Eles viajam com os filhos e começam a aproveitar o ensolarado local, mas a chegada de um grupo misterioso muda tudo e a família se torna refém de seus próprios duplos.

 

 

Trailer:

 

 

 

 

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