Ultimato do Bacon

Velvet Buzzsaw (Netflix) – Dicas de Streaming

Em 9 de Abr de 2020 6 minutos de leitura
velvet buzzsaw

A dica dessa semana é um filme que merece 5 bacons só por existir: Velvet BuzzsawAntes de mais nada, vale mencionar que o filme foi batizado no Brasil de Toda Arte é Perigosa e, por força simplesmente dos críticos e da internet, manteve seu título original intacto em todas as publicações até agora. Baita ironia!

Quantas vezes você foi ao cinema ver um filme qualquer que a “crítica” tá falando super bem e saiu de lá com aquele pensamento: “mas que merda foi essa que eu acabei de ver”? E aí, em todo lugar que você vai, toda página de entretenimento ou coluna no jornal sobre cinema, tem alguém tentando “explicar” a genialidade do filme, a mente visionária do diretor e a ignorância coletiva dos espectadores… e você fica pensando: “é, talvez eu não tenha entendido mesmo o filme”.

Algumas pessoas, acabam se convencendo de que viram algo bom; outros sabem que viram algo muito ruim, mas têm vergonha de assumir suas próprias opiniões perante o exército de “sábios da sétima arte” que elogiam a produção; e uns poucos seguem afirmando “pode ser idolatrado, reverenciado, genial e o car@lh*. Eu achei uma b*sta”.

Conheça a história de Velvet Buzzsaw

Velvet Buzzsaw, filme escrito e dirigido por Dan Gilroy (O Abutre, 2014) foca mais nas pinturas, galerias de arte, seus marchands e críticos, mas abusa das metáforas para criticar a postura da sociedade atual perante a arte como um todo. Seja sua produção, seu comércio, sua apreciação pública e, de maneira mais abrangente e profunda, a indústria criada em torno de algo que deveria ser pessoal e intransferível.

A arte é pessoal. Individual. Mesmo quando realizada coletivamente. Cada pessoa contribui com seu próprio intelecto e suas próprias emoções, se aproximando de um objeto artístico (seja uma pintura, uma escultura, uma peça musical, um filme etc.) de maneira única e intraduzível. E cada espectador frui essa obra da mesma forma: individualmente, pessoalmente e baseada em suas próprias vivências e experiências.

No entanto, o mercado de arte tenta padronizar o gosto, tenta avaliar e avalizar a produção, quantificando de maneira qualitativa toda e qualquer obra. Velvet Buzzsaw critica tudo isso de maneira visceral, com um pé no trash e no splatter, destruindo conceitos e personagens ao longo do filme impiedosamente. Falta, para ser impecável e genial, ser um pouco mais gráfico nas mortes.

Na trama, acompanhamos a cena artística de Los Angeles. Morf Vandewalt (Jake Gyllenhaal) é o renomado e afetadíssimo crítico de arte; Rhodora Haze (Rene Russo) é a marchand, ex-membro de uma banda de art rock, protopunk chamada Velvet Buzzsaw (referência clara a The Velvet Underground); Josephina (Zawe Ashton) é a interesseira e gananciosa funcionária de Rhodora; Gretchen (Toni Colette) é uma ex-funcionária da galeria de arte, agora curadora da coleção pessoal de um ricaço; Piers (John Malkovich) é o velho e renomado artista, alcoólatra em abstinência e agora decadente; Damrish (Daveed Digs) é o artista de rua, do coletivo, prestes a ser sucesso, trazido para a realidade do mercado de arte; entre outros personagens que representam estereótipos do mundo e da indústria da arte.

Tudo vai bem nesse mundinho até que um senhor de idade, Dease (Alan Mandell), vizinho de Josephina, falece e deixa em seu apartamento uma gigantesca produção artística própria, destinada à destruição, de acordo com o testamento do artista.

Josephina, no entanto, consegue um jeito de furtar os quadros para si, reconhecendo o grande valor artístico daquela produção. Só que as pinturas de Dease são amaldiçoadas e todos que tomam contato com elas acabam sendo assassinados no melhor estilo “filme B de terror”.

 

Toni Collette em cena de Velvet Buzzsaw

Gretchen (Toni Collette) perante "A Esfera" em Velvet Buzzsaw.

 

 

A partir daqui, spoilers do filme!

Se não quiser estragar nenhuma surpresa, corra assisti-lo e volte para terminar de ler depois.

O grande lance de Dan Gilroy é que Velvet Buzzsaw começou a ser escrito ainda na “ressaca” do cancelamento de Superman Lives.

Este último, seria dirigido por Tim Burton e começou produção em 1996. Após passar pelas mãos de Kevin Smith (que fez duas versões de roteiro) e Wesley Strick (Aracnofobia, 1990), Gilroy recebeu das mãos da Warner a tarefa de reescrever o roteiro de Superman Lives e adequá-lo a um orçamento mais enxuto em 1998.

Infelizmente, quando o filme passava por testes de câmera e um provável início de filmagens, a Warner cancelou o projeto; o roteiro final de Gilroy, avaliado como algo entre Batman e Robin (Batman & Robin, 1997) e Marte Ataca! (Mars Attacks!, 1996). Eita!

Profundamente magoado com isso, Gilroy sentiu-se injustiçado como artista, privado de proferir sua voz solitária, sua visão única sobre o Superman… e vingou-se do mercado, dos empresários, dos estúdios, dos críticos e até dos colegas artistas que não ofereceram ajuda e suporte, matando-os metaforicamente em seu filme.

Sobram somente Coco (Natalia Dyer), que desiste de trabalhar com o mercado de arte em Los Angeles e volta para sua cidade natal; e Piers, o velho artista que abandona o rótulo de fracassado, desiste de produzir sua arte de acordo com o ponto de vista dos críticos e termina o filme “fazendo arte” na areia da praia – uma arte efêmera, sem propósito aparente, extremamente pessoal e somente para si.

Curiosamente, todos os personagens assassinados são metaforicamente vítimas de si mesmos – o que gera a dúvida se, com isso, estaria Gilroy criticando inclusive seu trabalho em Superman Lives:

Josephina é claramente a alpinista social; se envolve com Morf quando ele está por cima. Troca-o por Damrish que está em ascensão e promove seu trabalho. Morre absorvida por um de seus graffitis num momento em que já não é mais relevante para o artista que decide “voltar ao coletivo e abandonar a galeria”. É substituída da mesma forma que fazia com os outros.

Gretchen deixou o museu e a galeria, o institucional, pelo comercial. Curadora particular, sua morte acontece às vésperas da exposição que fez questão de empurrar na agenda do museu. Tentando se impor “do outro lado” do mercado de arte, acaba decidindo expor, junto com as obras de Dease a famosa “esfera”, obra milionária que não tem absolutamente nada a ver com as peças de Dease. Sua morte é uma metáfora perfeita desse mercado. Seu corpo ensanguentado é confundido por crianças como parte da obra; sua “morte” só é percebida por Coco na presença de jornalistas que vieram cobrir a abertura da mostra. Uma mostra que mistura obras tão díspares, um erro de curadoria que clama para que os jornalistas e críticos “matem” a curadora e a exposição.

Morf: morre pelas mãos do Hoboman (um trocadilho entre “mendigo” e “homem-robô”, uma obra que é um mendigo-robô), obra de arte que criticou duramente e de maneira comprometida. Apesar de ter gostado da obra, rotulou-a como péssima, acabando com a carreira do artista. Isso tudo a pedido de sua então namorada. Morf morre da mesma forma que tantos críticos “morrem”: por perderem a idoneidade, por se venderem, por perderem o respeito do público ao fazerem críticas vazias, “erradas” ou incoerentes.

Rhodora, ex-membro da Velvet Buzzsaw, morre pelo fantasma de sua antiga banda. Tendo sido uma artista, passou a explorar comercialmente a arte. No entanto, nunca teve talento – coisa que confessa em uma das cenas, mencionando que a música era de responsabilidade de sua colega de banda, morta por overdose. Sempre medíocre, caminhando à sombra dos grandes talentos. Mesmo como dealer de arte, suas grandes apostas e sucessos vinham de informações privilegiadas obtidas através do namorado do grande crítico Morf. Com sua queda, Rhodora “morre” pelo mesmo fantasma que a “matou” no passado. A mediocridade.

 

Toda Arte é Perigosa…

Além das mortes em si, o filme ainda atira farpas a todos os lados. A já mencionada cena em que as crianças confundem o corpo com uma obra de arte, ecoa uma cena anterior em que o marchand concorrente de Rhodora, Jon Dondon (Tom Sturridge), confunde sacos de lixo empilhados no estúdio de Piers com uma de suas novas criações.

A arte remanescente de Dease, avaliada em milhares de dólares, some após o incêndio e um roubo; é vendida por moradores de rua por qualquer trocado, numa afiada crítica – inclusive – à verdadeira qualidade dos artistas.

E o público, que enaltece uma determinada peça graças à opinião que leram de um crítico, respeita-a e deseja-a quando lhes é dito que vale milhares de dólares, mas que sem o “apoio especializado” não dão nada pelo trabalho alheio… apenas um trocado para algo sem importância, um souvenir ou enfeite.

Termino sem nem ter mencionado os aspectos técnicos do filme e sem explorar a fundo outras nuances que aparecem nele – como a ironia da insegurança de Morf em sua vida pessoal – alguém tão decidido quanto ao julgamento do trabalho alheio, tão inconstante e flexível em outras áreas da vida; ou a vida pregressa de Dease, perturbada e violenta, ironizando os monstros reais que colocamos nos pedestais da idolatria, da maestria e do fanatismo.

Velvet Buzzsaw dá assunto pra várias horas de debate e ainda assim, não é nenhuma obra-prima. Talvez justamente o oposto disso: um cutucão para deixemos de enaltecer toda e qualquer porcaria empurrada a nós pelas indústrias, sejam elas quais forem.

 

Velvet Buzzsaw está disponível na Netflix!

 

 

Trailer:

 

Confira nossas outras Dicas de Streaming e fique ligado no Ultimato do Bacon!

 

 


Créditos:

Texto: Alexandre Baptista

Imagens: Reprodução

Edição: Alexandre Baptista

Texto publicado originalmente em 21 de junho de 2019. Atualizado em 09 de abril de 2020.

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