Ultimato do Bacon

Cafarnaum – O Ultimato

Em 12 de Fev de 2019 4 minutos de leitura
Cafarnaum (Capernaum)
Ano: 2018 Distribuição: Sony
Estreia: 14 de Fevereiro de 2019 (Brasil) Direção: Nadine Labaki
Roteiro: Nadine Labaki
Duração: 126 Minutos  

Elenco: Zain Al Rafeea, Nadine Labaki, Yordanos Shifera, Boluwatife Treasure Bankole, Kawsar Al Haddad, Fadi Yousef, Haita 'Cedra' Izzam, Alaa Chouchnieh

Sinopse: “Aos doze anos, Zain (Zain Al Rafeea) carrega uma série de responsabilidades: é ele quem cuida de seus irmãos no cortiço em que vive junto com os pais, que estão sempre ausentes graças ao trabalho em uma mercearia. Quando sua irmã de onze é forçada a se casar com um homem mais velho, o menino fica extremamente revoltado e decide deixar a família. Ele passa a viver nas ruas junto aos refugiados e outras crianças que, diferentemente dele, não chegaram lá por conta própria.”

 

 

[tabby title=”Alexandre Baptista”]

Cafarnaum, quarta assinatura da libanesa Nadine Labaki como diretora, é a tradução mais crua de onde falhamos como espécie

Vencedor do Prêmio do Juri em Cannes e concorrente ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, o longa que estreia nesta quinta, 14 de fevereiro é inquietante, profundamente triste e belíssimo

por Alexandre Baptista

 

Cafarnaum
/na-um/
substantivo masculino
1. lugar em que há tumulto ou desordem;
2. local onde objetos diversos são amontoados ou guardados desordenadamente.
 

O longa de Nadine Labaki começa com um plano em que se encontram muitas mulheres de costas para uma parede. Logo de cara, a diretora e Yordanos Shiferaw, que interpreta Rahil, imigrante etíope, mostram a qualidade técnica de ambas: a simples forma como a cena é enquadrada e a sutileza da dor no olhar de Rahil já caracterizam uma das personagens principais do filme.

Cafarnaum conta a história de Zain (Zain Al Rafeea), um pré-adolescente de 12 anos que, preso e acusado de um grave delito, decide processar os próprios pais por lhe terem dado a vida. O filme alterna cenas em flashback e no tempo atual, mostrando a série de eventos, provações e batalhas enfrentadas por Zain e que levaram a criança àquela situação.

Com uma fortíssima carga emocional, Cafarnaum mostra a duríssima realidade enfrentada nas favelas de Beirute, no Líbano, pela paupérrima família de Zain e a cruel vida de trabalho infantil, fome e miséria que faz parte da realidade local.

Com uma cinematografia e fotografia belíssimas, o longa é elegante, tecnicamente exuberante e as locações são absurdamente impressionantes.

O elenco apresenta atuações incríveis com destaque para Yordanos Shiferaw (Rahil) e Cedra Izam (Sahar). O bebê Boluwatife Treasure Bankole (Yonas) é perfeito em cena e, não tivesse por volta de 2 anos de idade, se diria que reproduzia conscientemente as cenas ensaiadas. Zain, no entanto, entrega uma interpretação simplesmente absurda, especialmente se considerarmos que o pequeno jovem não teve nenhuma formação e, até a conclusão do longa, era iletrado. Refugiado sírio morando atualmente na Noruega há cerca de 6 meses, está atualmente aprendendo a ler e a escrever. Sua performance na obra chega a ser tão convincente que a sensação é de estarmos vendo um documentário com algumas partes dramatizadas.

 

Nadine Labaki, a diretora de Cafarnaum, orienta Zahin em cena. Ela também interpreta a advogada Nadine no longa.


 

O roteiro é intenso e explora a realidade social caótica de uma forma tão densa que faz com que Central do Brasil (1998) pareça um filme leve. Em Cafarnaum, muitas cenas falam pelo seu silêncio e é necessária uma grande dose de empatia para se conectar ao longa.

A trilha sonora muitas vezes conduz o espectador pelo filme de forma a intensificar os momentos dramáticos e pontuar as sutilezas do roteiro – embora o filme seja extremamente visceral em seu conteúdo, ele é graficamente sutil, não sendo explícito em nada que não sejam as emoções transmitidas.

“Eu vivo e trabalho como um cachorro para você vir aqui e me julgar? Como se atreve a me julgar? Você já esteve no meu lugar? Viveu minha vida? Você nunca precisou e nunca vai precisar! Nem no seu pior pesadelo. Se tivesse que viver como eu, mesmo que por 10 minutos, você se enforcaria! Imagine ter que alimentar seus filhos com água e açúcar, porque você não tem mais nada para lhes dar. Estou pronta para cometer 100 crimes para manter meus filhos vivos! Eles são meus, os tesouros da minha vida! Ninguém tem o direito de me julgar, eu sou meu próprio juiz. Eles são minha própria carne e sangue. Você entende?”, Souad, personagem de Cafarnaum interpretada por Kawsar Al Haddad

Cafarnaum é um belíssimo e elegantíssimo soco, fortemente aplicado no estômago do espectador. Longo para os padrões comerciais de cinema, é propositalmente cansativo e tem um ritmo lento. Não é o tipo de filme para qualquer pessoa, nem para qualquer dia. É necessário estar pronto para ser espancado pela triste, fria e dura realidade do mundo. Ganhou o Prêmio do Júri em Cannes, mas provavelmente não vencerá no Oscar. A Academia é conhecida por não abraçar assuntos polêmicos e, recheado de comentários velados sobre a situação dos refugiados sírios, dos conflitos, da exploração comercial em detrimento da vida humana, o novo trabalho de Nadine Labaki seria uma aposta arriscada demais quando se tem também na competição uma obra com pontos até similares, mas muito mais palatável como Roma de Alfonso Cuarón. Repare por exemplo a presença de uma lata de leite Ninho da Nestlé em uma das cenas em que a poderosa companhia alimentícia, preocupada atualmente com a privatização dos recursos hídricos na Europa, obviamente marca e demostra sua presença de mercado até mesmo nas favelas do Líbano e da Síria.

Num mundo cada vez mais polarizado pela ideologia política, um filme como Cafarnaum certamente passará batido ou será marcado com algum rótulo político. Seja por tratar de uma questão polêmica como os refugiados do mundo; ou de uma realidade indigesta como a situação de extrema miséria em que milhares de crianças vivem; ou se passar num dos grandes centros do mundo árabe e islâmico, onde muitos apenas enxergam terroristas, homens-bomba e vilões de modo geral; ou por mostrar asperamente a falácia da meritocracia; ou ainda por posicionar-se em favor da vida de maneira ampla e inconveniente, especialmente quando se pensa em bilheterias ou premiações de uma arte que, para uma grande parte do público e profissionais da área, representa apenas entretenimento e lucro.

Zahin Al Rafeea (Zain) e Boluwatife Treasure Bankole (Yonas) em Cafarnaum.


 

Quando colocamos nossos ideais políticos e especialmente, financeiros, acima da vida humana, estamos dando aval para tragédias como o incêndio do Ninho do Urubu; o rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho; os conflitos globais de uma maneira geral, sejam na África, no Oriente Médio ou nas favelas do Rio de Janeiro, causados “oficialmente” por motivos muito diferentes daqueles que são os verdadeiros e que o público geral jamais vem a saber.

Quando não colocamos a vida humana em primeiro lugar, qualquer vida humana que seja, damos prova concreta de que falhamos como espécie. Cafarnaum, uma pequena obra-prima do cinema, é uma linda e triste apresentação que te obriga a refletir sobre isso.

 

Avaliação: Excelente!

 

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Trailer:

 
 
 

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