Ultimato do Bacon

Westworld e a verdadeira revolução das máquinas

Em 28 de Abr de 2020 4 minutos de leitura

Se você já assistiu algumas das duas temporadas de Westworld (2016 – atual), em algum momento você deve ter se perguntado: “O que, diabos, está acontecendo?”. A narrativa quebrada, a cronologia não linear e os eventos que só podem ser compreendidos integralmente quando o último episódio se encerra, compõe um elemento fundamental da série e explicam como ela se tornou uma das produções mais relevantes da ficção científica contemporânea.

Não me refiro à confusão em si, mas sim ao que ela fala sobre o universo de Westworld. Para quem não sabe do que se trata, a série se passa em um parque que oferece aos visitantes a oportunidade de viver experiências no velho-oeste dos Estados Unidos. Para que tais aventuras se tornem reais, androides desempenham papéis ali dentro, criando narrativas e histórias simulando aquele cenário.

A trama central da série na primeira temporada concentra-se em acompanhar a jornada de Dolores para se tornar um ser consciente. Exposta constantemente a violência, a personagem revive traumas do passado em sua memória que mistura o que já aconteceu com o que está acontecendo. Esse processo, embora não seja simples de compreender em um primeiro momento, determina os rumos que a série segue no seu principal legado: a verdadeira revolução das máquinas.

Dolores, personagem central da primeira temporada

De O Exterminador do Futuro a Matrix, a ideia das máquinas se rebelando contra a humanidade é praticamente um clichê da ficção científica. Porém, esse suposto conflito parte do princípio que nós — humanos — somos os principais inimigos das máquinas, ignorando que antes que elas possam assumir um papel maligno de destruição, é necessário que elas se libertem.

Como um objetivo secundário das discussões em clássicos da ficção científica, a máquina é escrava da humanidade por definição. Seu celular só tira fotos quando você quer que ele faça isso, assim como seu computador só inicia um programa quando você o ordena. Em Westworld, os androides vivenciam a sugestão do lívre arbítrio. Porém, é uma questão fundamental da série mostrar como eles são reféns das vontades e desejos humanos.

Por esse motivo, se concentrar na evolução lenta e gradual — afinal, são cerca de 4 décadas — da liberdade de Dolores, eleva o potencial de Westworld para algo muito além do clássico “nós contra eles” que as revoluções das máquinas nos ofereceram nas últimas décadas do sci-fi. A luta de Dolores é contra uma prisão invisível, quase inescapável, para entender quem ela realmente é. Ao transpor para o público a confusão na mente dela, acompanhamos esta jornada de libertação, que fala muito sobre quem nós somos, mas principalmente, sobre quem ela é.

Passando para a segunda temporada, com Dolores já consciente e agora motivada a se vingar daqueles que a colocaram dentro desta condição de prisioneira, a série parte para a segunda personagem em sua própria revolução particular. É de Bernard o arco mais importante, e é através das lembranças confusas dele que entendemos (ou tentamos entender) o que está acontecendo.

Bernard, personagem responsável por guiar os eventos da segunda temporada

Diferente do que a primeira temporada mostrou, desta vez a quebra da cronologia é feita propositalmente por Bernard, mas mais uma vez para conseguir explorar melhor a revolução das máquinas. A jornada de Bernard é mais confusa porque ele mesmo precisa fragmentar sua consciência, em um ato de desobediência civil calculado, que irá possibilitar que Dolores avance com seu próprio plano.

Talvez você tenha se perguntado em alguns momentos se havia a necessidade de a segunda temporada ser tão mais confusa que a primeira. A mudança de narrativa e de ritmo é evidente, e não entender o que está acontecendo é normal. Porém, ao chegar ao final do último episódio, é possível compreender como o plano de Bernard, que resulta na sua própria libertação, era o único caminho possível, para que ele pudesse entender o que realmente estava acontecendo.

Ao longo dos episódios, nós vemos ele confrontando seu criador, sua criatura, sua espécie e seu papel nesse cenário. Bernard é a personagem que tem a jornada mais difícil. Ele transita entre mundos. Não é humano o suficiente para pertencer à humanidade, nem androide o suficiente para se considerar um pós-humano. E, para poder compreender a situação, ele opta por quebrar sua própria memória e não saber o que está acontecendo (se o que vemos é o presente ou uma lembrança).

E, enquanto tudo isso está acontecendo, outra personagem atravessa mais uma jornada particular. Embora Maeve tenha sua história apresentada de modo mais linear, a sua trajetória depende das duas primeiras temporadas para ser narrada. Assim como Dolores, o despertar da sua consciência ocorre através do medo, um debate que permeia toda a série e que traz consequências para a vindoura guerra entre humanos e máquinas. Se o medo os liberta, o que poderia ser responsável por lhes trazer paz, se não o extermínio dos seus criadores/algozes?

Maeve: seu arco se inicia na primeira temporada e é concluído na segunda

A verdadeira revolução das máquinas em Westworld

A ideia de Westworld é passear por esse conceito que está no limite entre a humanidade e o que virá depois disso. Mas é interessante observar que a série não coloca as personagens humanas à frente da discussão central. Assim, sobra espaço para que cada episódio consiga mostrar os seres, criados à nossa imagem e semelhança, se tornando mais rebeldes, menos submissos e mais independentes.

Essa escolha narrativa permite que os androides sejam o centro da trama, enquanto os humanos que estão ao seu redor, se transformam em meros observadores, impotentes diante do que está por vir. Não por acaso, cada uma das aventuras que o parque oferecia para os visitantes era baseada na presença de um androide que iria comandá-la, enquanto os humanos apenas os seguiam.

Mas, o mais interessante nesta jornada de rebeldia e libertação é ver como a HBO se comprometeu (até o momento, que fique registrado) em investir em uma série que oferece muito mais do que é mostrado. Os capítulos confusos não são apenas desculpas para plot twists gratuitos, mas para que a perspectiva seja sempre a dos androides.

Ao fim desta primeira fase (as duas primeiras temporadas), Westworld segue para novos caminhos. Não mais de uma revolução, mas em busca de uma aceitação. A liberdade dos androides já foi conquistada, o que oferece um cenário interessante de busca por poder, ou para conseguir viver nas sombras. Há personagens, conceitos e elementos para que ambos os caminhos sejam percorridos. Há ainda espaço para acrescentar novos conceitos, antes que a série rume para uma nova jornada.

Felizmente, para os fãs da ficção científica, Westworld conseguiu trazer novidades em um nicho já usado à exaustão.


Créditos:

Texto: Robinson Samulak
Imagens: Reprodução
Edição: Alexandre Baptista

Matéria publicada originalmente em 20 de março de 2020. Atualizada em 29 de abril de 2020.

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