Ultimato do Bacon

Todas as pedras no fundo do rio de Wagner Willian – O Ultimato

Em 30 de Mai de 2023 4 minutos de leitura
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Conheça o drama de três amigos de diferentes origens sociais enfrentado violência e preconceito na retrógrada década de 1950 de Capris

Em 2022, o premiado quadrinista Wagner Willian publicou, por meio de editora própria (Texugo), Todas as pedras no fundo do rio. A edição contou com a participação de Julyano Abnner e Daniela Capuzzi do canal Páginas Amarelas HQ’s e financiamento do ProAC.

A HQ saiu em capa dura, 208 páginas coloridas, e traz a história de um trio de protagonistas na ilha fictícia de Capris, em algum lugar da América do Sul na década de 1950. O país, religioso e “irmão” do Brasil, traz mazelas e preconceitos extremamente atuais, bem como minorias se revoltando. Sim, é um quadrinho político e para maiores de 18 anos.

Qual a trama de Todas as pedras no fundo do rio de Wagner Willian

A ilha reúne estadunidenses, russos, brasileiros, afrodescendentes e indígenas. Curiosamente, EUA e Brasil promovem certa aculturação comum em países colonizados.

Dimitri Baranov é o filho de um influente empresário russo que cresce com a amizade de Daren, um jovem negro. A época da universidade os distancia. O primeiro vai estudar no exterior e volta com uma obsessão, vender areia monazítica processada aos EUA para lucrar com a corrida armamentista. O segundo se forma custeado por Petro Baranov, enfrentando o racismo e a falta do irmão mais velho, desaparecido após liderar greves no porto.

O reencontro da dupla é frio. Por um lado, as mesmas lembranças da infância, por outro a diferença cultural e os novos interesses se opõe. Eis que surge Lara Blavatsky, uma prima que veio estudar ciências sociais e trabalhar no orfanato da família Baranov. Lara e Dimitri se apaixonam e os três estabelecem uma simbólica amizade: são representantes da burguesia – enfrentando certa “culpa de classe” –, do feminismo e do movimento negro.

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Até a KKK aparece perseguindo os protagonistas na retrógrada ilha de Capris

Capris é reacionária e vive um momento de tensão. Após a 2ª Guerra Mundial, a política de repressão contra ideias comunistas vigora e, em contrapartida da desigualdade social e das más condições de trabalho, a revolta popular ganha força. Um dos ápices é o encontro de uma passeata conservadora e religiosa com um protesto do movimento negro. Não daremos muitos spoilers, mas haverá violência e o resultado será uma ditadura.

Nesse contexto se apresenta o drama familiar e de amizades. Dimitri e Lara precisam se entender como casal enquanto ela enfrenta a gravidez e uma doença degenerativa grave. Daren terá que se decidir entre aproveitar a proximidade com a família burguesa ou enfrentar a violência racial participando do Vulcão Negro, uma versão local do Partido dos Panteras Negras.

Vale a pena ler?

Wagner Willian nos apresenta um drama de época, mais especificamente dos anos 1950, unificando em uma mesma cidade e tempo a eclosão de diferentes lutas e revoltas históricas.

Olhando para a História Contemporânea, a luta por direitos civis e igualdade liderada pelo movimento negro, por exemplo, na década de 1960 era uma realidade norte-americana, enquanto no Brasil o enfrentamento do racismo ganha as massas e os noticiários apenas neste século.

Podemos recorrer ao sociólogo Jessé Souza para entender essa diferença de timing. Por aqui, apertado resumo, o senso comum introjetou a ideia do “homem cordial” em uma sociedade em que, para o discurso, não havia racismo. Contra o que lutar? Concepções herdeiras de autores como Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda.

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As desigualdades e os movimentos sociais são temas da HQ de Willian

Já a ditadura de Capris é quase que completamente inspirada na de 1964, tupiniquim. Algumas pontas soltas no roteiro nos remetem aos desaparecimentos daqueles anos, dos quais imaginamos o fim da história, mas não temos certeza. A década de 1960 também coincide com a efervescência de diversos movimentos populares mundo afora, de similitudes aos que acontecem no quadrinho.

Essa união de lutas minoritárias passa a fazer total sentido, ainda, na época em que a HQ foi publicada, quando contornos de Guerra Fria e a defesa de ditadores passaram a se estabelecer nos noticiários e discussões de família – algumas reproduzidas na obra –, bem como a oposição institucional a convenções progressistas. Estaríamos vivendo no passado?

Esse é o status quo que provocou Willian. Justamente por isso, Todas as pedras no fundo do rio é muito literal. Reproduz em seus personagens discursos militantes e de cartilha. É o que delineia os protagonistas. Além de ser violenta, um drama com “sangue e ódio”, como o próprio autor define. Ele grita e faz gritar através das páginas. Já pensou se os excluídos contra-atacassem com ferocidade todas as injustiças sofridas, no estilo Bastardos Inglórios (2009)? Pode esperar por isso na HQ…

Mas cabe uma observação, algumas subtramas parecem ficar abertas ou pedindo mais espaço, assim como Daren, que poderia ser mais explorado em sua subjetividade – talvez um efeito proposital do roteiro, em vista de que ele foi atravessado de forma avassaladora pelo social –.

A arte de Willian é inspirada na do período que se propõe a retratar e combina com o roteiro. Muitos quadros soam belamente cinematográficos. As cenas de violência explícita parecem terem saído de filmes de máfia.

No posfácio, o autor conta que a ideia inicial do quadrinho era fazer uma adaptação subversiva do longa-metragem A Felicidade Não Se Compra (1946), de Frank Capra, mas o distanciamento do enredo e a vida na pandemia acabaram mudando os rumos da obra. O resultado é impactante.

Gostou do texto? Leia outros Ultimatos do David Horeglad (HQ Ano 1) para o UB!

BELISCÃO (2022) – O ULTIMATO

ROSES N‘ GUNS (2022) – O ULTIMATO

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Ultimato do Bacon

Avaliação: Ótimo!

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Créditos:
Texto: David Horeglad – @hq_ano1
Imagens: Reprodução
Edição: Diego Brisse
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