Ultimato do Bacon

Confira a entrevista exclusiva com o Diretor de Animação de Tito e Os Pássaros, Chico Bela

Em 17 de Fev de 2019 16 minutos de leitura

A animação brasileira que estreou quinta feira, 14 de fevereiro nos cinemas, foi uma das 25 pré-selecionadas do Oscar 2019

por Alexandre Baptista

 

O Ultimato do Bacon, em parceria com o Sobrecapa, teve a chance de entrevistar o Diretor de Animação do elogiado longa Tito e Os Pássaros, que estreou nesta última quinta, 14 de fevereiro nos cinemas nacionais.

A entrevista completa em áudio vai estar disponível no Sobrecapa em breve e você pode conferir também a transcrição adaptada da mesma, abaixo:

 

"E aí pessoal, eu sou Alexandre Baptista e esse é o Sobrecapa. E hoje eu estou aqui com o Chico Bela do Split Studio, arquiteto de formação que trabalha com animação há quase 20 anos e foi o Diretor de Animação de Tito e os Pássaros, que é o longa brasileiro pré-indicado ao Oscar 2019 na categoria de Melhor Animação que tá estreando hoje, 14 de fevereiro nos cinemas, dia em que a entrevista foi gravada.

A gente vai conversar um pouquinho com ele sobre o filme, sobre a carreira em animação, cinema e muito mais.

E aí Chico, tudo certo?

Chico Bela – Tudo certo Ale e você?

Meio na correria agora que ganhei uma filhinha, mas tudo certo! Em primeiro lugar, eu queria te agradecer por conceder essa entrevista pra gente e te dar mais uma vez os parabéns pelo belo trabalho – eu ainda não pude conferir o longa completo mas o que deu pra perceber pelo trailer é que a animação está muito bonita, desde a concepção artística, o roteiro… o trabalho está lindo.

CB – Legal, valeu.

Pra gente poder situar quem não está familiarizado com o processo de animação e a realização e produção de um longa desse porte, explica pra gente de forma resumida: qual é o papel de um diretor de animação?

CB – Eu acho que vou falar um pouquinho da história do filme e onde eu entro nela… Antes de eu entrar na Split, o Gustavo Steinberg (que é um dos diretores junto com o André Catoto e o Gabriel Bitar), chegaram na Split com esse projeto [Tito e Os Pássaros] e fizeram o orçamento, e aí o estúdio topou e sugeriu de fazer algumas alterações.

O Vini Wolf, da Split, mexeu um pouco no roteiro, no storyboard e na direção de arte. Ele é o Designer de Produção, deu a cara do que o Tito é hoje, junto com o Gabriel Bitar, que ainda entrou na pós-produção.

Aí o Vini estava tocando o filme e precisou sair do projeto, justamente no momento em que eu havia acabado de entrar na Split. Fui convidado a entrar no projeto como Diretor de Animação no lugar dele e passei a tocar o projeto a partir dali, com os layouts já prontos e o rig pensado…

Eu ajudei a formar equipe, chamar gente, acompanhava o trabalho dos animadores, para entregarmos o melhor possível dentro da linguagem já estabelecida e dentro do prazo.

O grande trabalho de um Diretor de Animação, são dois: propor uma linguagem de animação – que é a forma como os personagens vão se mover (e isso foi o Vini que deu um primeiro input, e eu apliquei um tanto do meu estilo em cima disso) e o segundo é garantir que o filme mantenha isso ao longo dos, no caso do Tito, 83 minutos da animação.


Até onde eu sei, você tem uma grande experiência em animação para publicidade… quais as diferenças entre o processo de trabalho de uma animação como Tito e os Pássaros e, digamos, uma animação comercial?

CB – Bem, no geral, a maior é recurso né? Quando você tem mais dinheiro, você consegue fazer uma equipe maior, você consegue chamar gente mais formada… Boa parte da equipe do Tito, por exemplo, era de pessoas que estavam começando na animação, e aí você tem todo um trabalho de formar essas pessoas na área.

Quando você trabalha com publicidade, você tem mais dinheiro e pode chamar, até por ser mais rápido (um comercial de 30 segundos), você chama um profissional por duas semanas, um mês às vezes – varia um pouco – mas são trabalhos que tem um fôlego mais curto.  Mais pesado e mais rápido. Então por exemplo, a produção de animação do Tito levou o ano inteiro, praticamente 2017 inteiro, pra fazer os 83 minutos.

A equipe variou de tamanho: começou com 6 pessoas, aí no fim, só de animadores, chegamos a 12 profissionais, entregando em novembro, dezembro.

A diferença é essa, você consegue ter um esmero maior… Mas varia.

O Tito não é uma produção de muitos recursos, então a animação era bem assim, "o melhor que conseguíamos fazer dentro do prazo que tínhamos". Buscávamos um processo bom, pra que a animação ficasse boa e, o principal, num filme desses (…) é cumprir a função narrativa, que me parece ser algo menos importante na publicidade (embora isso esteja mudando hoje em dia).

No filme, a animação tem sempre que estar servindo a história. Não sei se ficou claro, é algo sutil… mas acho que tem [essa função] sim.

Acho que ficou bem claro… me corrija se eu estiver errado, mas às vezes me passa a impressão que na animação para publicidade, se corre o risco de ter que refazer algo já quase pronto em função do cliente, que mudou de ideia. Isso é uma lenda ou acontece?

CB – Isso acontece mas, particularmente, as minhas experiências com publicidade, no geral, foram tranquilas. As piores que tive eram, sei lá, entregar 1 minuto e meio de animação em 3 dias e umas loucuras assim. Mas nesse caso em particular, o cliente sabia que o que entregássemos seria o melhor possível. Essa coisa de refação, cliente inventar coisas novas depois de tudo ajustado… eu não tive tanto contato com isso. Não sei se foi sorte… (risos), mas conheço histórias escabrosas disso…. do filme estar pronto e ter que refazer do zero porque o cliente não entende o processo, ou então deixa passar coisas que não deveria…

Isso deve desgastar demais a equipe…

CB – É, desgasta. É difícil. Série é assim. Série, filme… tem o roteiro, em geral tem que ser um roteiro bom. A transposição de roteiro para o storyboard, acho que a maioria das pessoas não entende isso, que é você transformar o roteiro em uma linguagem visual aquilo que você está lendo. Então tem coisa que fica legal no roteiro e que, no storyboard, pra animação particularmente, não fica tão bom. Aí você tem que adaptar, tem que trabalhar e  tal. Você tem que trabalhar o storyboard em animatic (quando você coloca falas e pode dar play naquilo. Storyboard são só os quadros). Quando o animatic está pronto, ele tem que funcionar. Se não estiver funcionando e você seguir animando, a animação nunca vai salvar aquilo que não funciona no animatic. A animação pode estragar um animatic bom. Mas ela nunca salva um ruim.

(risos)

CB – Parece óbvio, mas é muito importante isso. Então eu gosto de dirigir, quando estou dirigindo, (não direção de animação, quando estou dirigindo um projeto geral), a parte mais importante é fechar um bom animatic, porque a partir daí é só você produzir a animação de acordo com o que está lá. E se o animatic não está funcionando, isso é um problema.

Ele acaba sendo a grande base para a animação né?

CB – Sim, eu acho. Então, sobre o processo… Eu acho que, as vezes, o que pode acontecer é quando o cliente, a agência ou a própria produtora faz o animatic, não tá legal, mas o pessoal acha que quando chegar no final vai dar certo… não olha com a devida atenção pro animatic – porque é ali onde tudo deveria estar resolvido – e aí acontece do filme estar todo animado e as pessoas decidirem mudar tudo. Mas não é um processo infalível. Até a Disney já passou por problemas assim. Mas o processo te ajuda muito.

Voltando a falar de Tito e Os Pássaros, ele concorreu ao Annie Awards, foi selecionado no TIFF – Festival Internacional de Cinema de Toronto além da já mencionada pré-indicação ao Oscar desse ano.

CB – Um outro muito importante é o Annecy [Annecy International Animated Film Festival]… Tito foi pra Annecy no ano passado e Annecy é uma grande honra. É um dos de mais prestígio no mundo. Não é o mais famoso, mas dentro da área de animação, é o de maior prestígio. E foi legal porque foi o único longa brasileiro, num ano em que a animação brasileira foi homenageada lá. Encaixou muito bem no cronograma.

Muito bacana, muito bacana mesmo. O Tito estar em todos esses festivais, indicado em todos eles ou homenageado… ser pré-selecionado ao Oscar e estar entre os 25 nomes de onde saem os 5 finalistas… ele está em companhia de animações como Homem-Aranha no Aranhaverso (Spiderman: Into The Spiderverse) da Sony, Wi:Fi Ralph (Ralph Breaks the Internet) e Incríveis 2 (Incredibles 2) – ambos da Disney, sendo Incríveis 2 também da Pixar; Ilha dos Cachorros (Isle of Dogs), que é dirigida por Wes Anderson; Mirai (Mirai no Mirai), dirigida por Mamoru Hosoda do Studio Chizu que é um filhote da MadHouse (uma casa de animação japonesa que faz animes desde a década de 70)…

CB – Uma ignorância aquilo!

(risos) Sim, um absurdo! Sem contar as que não foram finalistas como O Grinch (The Grinch), Hotel Transilvânia 3 (Hotel Transylvania 3: Summer Vacation) e Os Jovens Titãs em ação nos cinemas (Teen Titans Go! To the Movies)… Além de tudo isso, o longa tem uma taxa de aprovação de 92% no Rotten Tomatoes hoje.

CB – C@#%$%

É! E a minha pergunta é justamente essa… qual é a tua sensação com tudo isso? Ou pra você, não afeta? Tudo isso é uma grande bobagem?

CB Imagina, eu acho do c@#$%, eu acho foda. Eu não esperava. Eu acho que todo mundo da minha área é muito crítico. Eu até hoje, quando vejo o filme, fiquei viciado em ficar caçando erros na animação dos personagens, por exemplo. Então eu só vejo o que não está funcionando (risos). Porque era o meu trabalho, e toda vez que vejo o filme, eu vejo as mesmas coisas. E você fica vendo o filme “de dentro”… e quando ele vai pro mundo e tem essa recepção incrível, é muito f*d@. É um reconhecimento muito grande de um trabalho que foi muito suado, da equipe toda. Todo mundo trabalhou, ralou pra c@#$* pra entregar esse filme… é muito recompensador mesmo ter esse retorno todo que o Tito teve. É muito legal e bem importante sim.

Você conferiu algum dos pré-selecionados do Oscar?

CB – Eu não vi Mirai, eu vi Incríveis 2 e Ilha dos Cachorros. Ah, e vi o Aranhaverso.

O Homem-Aranha no Aranhaverso destoa de todos os outros. Eu não vi Mirai, que dizem que é um dos fortes concorrentes. Mas minha pergunta é: como profissional da área, já vimos que o Tito está em excelente companhia ali, entre os 25. Mas dos que você conferiu, o que achou deles? Alguns deles realmente merece o título de melhor animação de 2018?

CB – O Aranhaverso eu achei sensacional, achei maravilhoso. Gostei que a Sony teve coragem de fazer um filme se arriscando na direção de arte, na direção [geral]… A direção do filme é maravilhosa, ele é muito bem linkado com o roteiro. Você sente o filme com uma unidade tremenda. Fiquei um pouco decepcionado com Incríveis 2, sou muito fã do Brad Bird. Os Incríveis (The Incredibles, 2004) é o meu filme predileto da Pixar… e eu achei o 2… assim, é competente, não é ruim. Mas não chegou aos pés do primeiro. Tá bonito e tal. A história é até interessante. Mas acho que eu esperava mais da Pixar e do Brad Bird em particular. Wi-Fi Ralph… eu não gosto do primeiro [Detona Ralph (Wreck-it Ralph, 2012)], acho um filme muito fraco. E o segundo, não estou muito interessado em ver. E o Mirai, eu não vi. To muito curioso pra ver, gosto muito das animações japonesas e deve ser um bom filme. Ah, e Ilha dos Cachorros é um filme incrível.

Pra mim o Homem-Aranha se destaca e dá uma elevadinha no grau do jogo ali, né?

CB – Tem uma coisa… o que eu acho legal no Tito é que ele tem uma cara que você nunca viu antes… E esse é um feedback que eu ouvi demais, inclusive no Cartoon Brew falou isso. Saiu muita reportagem sobre o Tito em veículos enormes… E me deu essa impressão de ser um sopro novo, como é o Aranhaverso. Só que vai até um pouco além dele, nesse sentido da linguagem gráfica. Você olha e fala “nunca vi isso”. Porque o Aranhaverso é legal, é inovador… mas no fim, eles deram uma roupagem de Hollywood. Os personagens tem um padrão… o design é lindo, incrível, mas é um designzinho padrão, bem-feito. Os cenários e as cores é onde acho que eles conseguiram dar um passo além, que deixa o negócio de tirar o fôlego quando se assiste. Então acho que o Tito tem esse mérito de, sei lá, ser uma coisa diferente.

E tem uma coisa: o Tito foi feito com um valor [orçamento], infinitamente menor do que esses outros todos. A gente é até famoso por isso, de conseguir fazer muito com pouco. Às vezes eu acho isso cansativo mas tem um lado legal também né? De forçar a criatividade (risos)

Com certeza. Esse era outro ponto que eu ia te perguntar. Quando você tem uma Sony por trás, ser um dos grandes favoritos e, quando sobem os créditos você tem quase 1000 pessoas, ou mais de 1000 pessoas envolvidas na produção de uma forma ou de outra… é bem diferente de ter um escopo que envolveu, sei lá, 50 pessoas e um orçamento infinitamente menor…

CB – Foram umas 100, mas se você assistir os créditos do Tito passam bem mais rápido que os desses outros… (risos)

Exato! E aí entra essa questão… a gente percebe que é um estilo de animação que fica difícil da gente pensar em algo que tenhamos visto parecido… Ele é completamente único. Pensando então no roteiro – pra quem não sabe, [no trailer] a gente descobre que o medo se tornou uma doença e que o mundo foi assolado por uma epidemia. O Tito é um garoto que parece ter descoberto alguma pista de como acabar com a epidemia. Então, pelo trailer, a gente sente um senso de urgência muito grande… E pela animação temos essa sensação. O quanto de fato você diria que esse senso de urgência era uma preocupação na linguagem estilística e na forma de animar, enfim…

CB – Eu acho que isso se apresenta mais na direção de arte. Os cenários são criados num expressionismo alemão, [inspirados] num cara chamado [George] Gross e isso é proposital. Os cenários são tortos, a geometria dos cenários é sempre distorcida de acordo com o que cada cena pedia… E a animação ali tem que ser sempre fluida, porque você ficar 80 minutos vendo um filme, ela tem que ser gostosa de ver. Você pode pegar uma cena ou outra e quebrar um pouco, mas se fizer isso no filme todo, vai ficar cansativo. Então a gente tem que dosar a animação e deixa-la fluida no geral. Mas assim, o olho dos meninos tá sempre arregaladão (dos personagens em geral), os dentinhos pra fora… ele tem um certo estranhamento na linguagem.

Eu sei que teve essa intenção em trazer essa urgência que você fala, esse desconforto, essa coisa meio tétrica pro clima geral do filme, pra deixar você um pouco claustrofóbico também, junto com os personagens… mas tem sim. Tem uma relação da linguagem do filme com essa intenção de urgência, de medo, do medo dominando tudo…

Por exemplo, tem uma cena no trailer em que o Tito está no skate, tem uma menininha com ele e o cabelinho dela está o tempo todo se mexendo… a gente percebe uma certa fluidez de movimento. Eu não sei o quanto disso é estilização, linguagem estilística, e o quanto disso é parte justamente do estilo de animação, da técnica de animação que vocês usaram…

CB – Eu entendo… é que é muito misturado. A técnica de animação a ser usada foi pensada pelo Vini Wolf. Então a gente fez um rig dos personagens. O rig é desenho, mas você trata o desenho como se fossem recortezinhos de papel. Só que é digital isso. E precisava ser feito assim para caber dentro do orçamento que a gente tinha. É um jeito um pouco mais prático de animar. E foi pensado sem traço e com “rebarbinha” no estilo pra, se você precisar fazer uma pose nova, não precisar se preocupar tanto com o acabamento. É um acabamento mais solto, pra você poder se focar um pouco mais na animação e o que precisar completar de desenho ser uma coisa rápida de se fazer, pra caber dentro do plano. Então a animação foi feita em cima dessa técnica já; estilo e técnica estão muito amarrados.

Tem coisas que não são simples de fazer na animação, então a gente evitava fazer. E dentro do que cabia, a gente tentava trazer o máximo de riqueza para que ficasse gostoso de assistir.

Então, por exemplo, mexer cabelinho, onde tem que mexer roupa… tem umas coisas que são mais simples de trabalhar na técnica de cut-out – o nome dessa técnica é cut-out – e dá uma graça pra quem está assistindo. Movimento de olho tem um custo baixo de fazer e dá uma graça na cena; tem uma técnica que chama moving hold, que é no fim do movimento você fazer o personagem acomodar aos pouquinhos – na época da animação intervalada você tinha que fazer um porrilhão de desenhos pra fazer isso – e no cut-out o difícil é fazer a primeira pose, a segunda pose, a intervalação e tal… e essa desacelerada final é muito simples de fazer. Não dá trabalho de fazer, é um trabalho muito pequeno. Então é uma coisa que a gente trabalhou bastante também, pra tirar a cara de “durinha” da animação. Mas você vê que não tem a mesma fluidez de uma animação full – como Mirai, enfim, nenhuma do Oscar desse ano. Os animes em geral são todos desenhos quadro-a-quadro, tudo full.

Quando você começou a se embrenhar pelo mundo da animação – você já está a quase 20 anos na área – o que estava saindo na época, era a febre da Pixar começando a embalar, o desenvolvimento tecnológico melhorando na área… Saiu naquela época o Toy Story 2 (1999), Work in Progress da ILM (2000), Final Fantasy: The Spirits Within (2001), Monstros S.A. (Monsters Inc., 2001), Procurando Nemo (Fiding Nemo, 2003); essas eram as animações maiores e mais famosas daquela época. Conta pra gente um pouco de como foi seu percurso, daquela época pra cá e, uma vez que você está na área desde então, quais foram os grandes ganhos, sejam para os profissionais da área, sejam para os espectadores do produto final?

CB – Eu acho que na animação 2D o grande avanço foi a evolução da animação cut-out. Eu lembro que animação de série era sempre limitadinha. E aí começaram a surgir umas animações cut-out muito boas. No Brasil, uma que eu vi e fiquei boquiaberto era o Sítio do Pica-Pau Amarelo. Uma animação linda na primeira temporada… e uma animação cut-out, [algo que] costumava ser mais tosquinho, mais durinho. Isso porque o pessoal pegou essa técnica e meteu a mão: trabalhou, melhorou, criou macetezinhos e jeitos de fazer uma animação boa, só que mais rápido. De usar banco de um jeito que você não sente que está reaproveitando uma animação… você pode pegar perna de uma animação, corpo de outra e o braço de uma terceira.

Então essa é uma evolução que eu vi [acontecer] muito e a primeira vez que eu vi uma animação cut-out legal era uma animação que se chamava Happy Tree Friends, que era uma animação fofinha que, de repente, ficava escatológica. O pessoal era cortado no meio e decapitado e o olho pulava pra fora. Era uma animação cut-out pra flash muito boa. Ali eu olhei e falei “isso é um negócio legal”. Eu via que era uma animação boa, bem-feita e econômica. Você via que eles sabiam otimizar muito bem isso. No 2D eu acho que o maior avanço foi esse.

Porque de técnica de desenho, eu acho que ela regrediu um pouco no ocidente. A Disney não faz mais longa de animação… onde está forte ainda é na França e no Japão. E o maluco do Sylvain Chomet [As Bicicletas de Beleville (Les Triplettes de Belleville, 2003)]. Eu acho que ele é…

Monstro.

CB – é. Belga?

Eu realmente não sei a nacionalidade dele [pesquisando no Google]

CB – Canadense… canadense ou belga. Mas assim, virou uma coisa de maluco.

Ele é francês mesmo. Desculpa te interromper, mas ele é francês mesmo.

CB – Ah, ele é francês? Bom, enfim… E no Japão é muito forte a animação desenhada. Mas nos Estados Unidos, a Disney por exemplo, fechou e não tem grandes produções mais… Ou não tanto quanto antes. É uma técnica que eu tenho medo que se perca. Eles trazem coisas pra 3D mas a técnica original, esses monstros de antigamente, os 9 velhos da Disney… mais recentemente, sei lá, o Glen Keanne (A Pequena Sereia, A Bela e A Fera, Aladdin)… esses caras acabam sendo consultores do 3D hoje.

E o 3D… eu acho muito interessante. Eu lembro que, quando eu vi o Toy Story pela primeira vez, eu não acreditei em como era bem-feito aquilo. E quando você vê hoje, é o contrário… você fala “nossa, como é tosco”. Porque foi tendo uma evolução gradual das texturas – mais do que tudo – da capacidade de render etc. Então você vê hoje aquilo e é um pouco tosco, mas na época era muito bem-feito. E eu acho que o 3D, e a coisa mais legal no Aranhaverso, é eles se apropriarem da linguagem de 3D e colocarem uma direção de arte forte em cima, ao invés de tentarem fazer realista, sabe? Tá Chovendo Hamburguer (Cloudy With a Chance of Meatballs, 2009) tinha um pouco disso, que é uma coisa muito legal no 3D. Tem no Hotel Transilvânia (Hotel Transylvania, 2012), então até a textura é realista mas é uma coisa bem cartunesca… Quando o pessoal vai nessa linha de 3D, eu gosto demais. Acho mais legal do que quando tentam ser “realistas”. A grande evolução do 3D foi capacidade de processamento e acho legal você citar o Final Fantasy. Eu acho horrível aquele filme. Porque entra, pra mim, naquele Uncanny Valley. Eu fiquei o filme inteiro com aflição daqueles personagens que eram quase realistas…

(risos)

CB – …quase. Esse quase deles…

O problema é quase!

CB – éééé!  Me dá um estranhamento que, a mim, é muito desagradável. Então, sempre, qualquer coisa de 3D que cai no Uncanny Valley, pra mim é… aquele filme novo do Cameron que está pra sair, Alita?

Alita: Anjo de Combate

CB – É! Eu não consigo ver o trailer direito.

Uma coisa meio A Máscara da Ilusão (MirrorMask, 2005) do Dave McKean né?

CB – É. Eu acho muito estranho, aquela personagem com o olho grande… eu acho que não casa direito. Então eu acho que é isso. Na técnica 2D foi um… ah, o Pequeno Pônei, o longa [My Little Pony: O filme, 2017], é todo cut-out. É um cut-out lindo! E ele é usado quase como clean up, quase como arte-final. Você tem uma animação bem fluida e você usa a técnica de cut-out quase pra fazer o acabamento do desenho. E no 3D, eu acho que agora – há um tempo já, estão começando a explorar… eu não vejo tanto em longa… tem muito curta incrível.

Tem algum que você indica, recomenda?

CB – Um que pra mim quebrou paradigmas foi o Cocotte Minute (2006) da Gobelins; aí tem um que chama Salesman Pete (2011), que é maravilhoso… é um 3D com uma cara de cartoon muito legal. Esse Cocotte Minute também é um 3D todo meio torto, muito legal também. E eu gosto mais quando o pessoal vai pra essas linhas mais soltas no 3D.

Ah, tem um que chama The Backwater Gospel (2011), acho que é isso. É um TFG [Trabalho Final de Gradução] do Animation Workshop, uma escola dinamarquesa de animação que tem tido coisas muito legais saindo de lá. Um pessoal que está ousando mais na direção, na direção de arte…

Eu acho que os curtas trazem umas coisas muito legais que eu não vejo tanto em longas. Parece que eles tem medo de arriscar mais na linguagem quando fazem um longa.

Então, pra gente finalizar, a finalíssima pergunta é: como você definiria, em uma frase, animação de um modo geral? Por que animação e não outras artes ou técnicas que o cinema pode utilizar?

CB – Uau! Em uma frase eu não sei… Mas, o que eu gosto da animação é que ela te permite… ela te dá mais liberdade no roteiro, eu acho. Então tem histórias que só poderiam ser contadas em uma animação, que ficariam estranhas em um filme. E pra mim, o maior exemplo disso é quando fazem o inverso, e transformam em filme as animações. A Disney tá nessa onda aí, não sei por que. Eu acho horroroso, eu acho horroroso…

Então o que eu gosto da animação é isso, essa distância que você cria com a realidade por ser um desenho, te dá liberdades que você não poderia ter num filme. E o maior exemplo disso pra mim é a obra do Hayo Miyazaki. Eu acho as histórias dele maravilhosas e espero que nunca façam live action delas.

(risos)

Concordo contigo, tem coisas que nasceram pra ficar só nas animações mesmo.

CB – É isso. O pessoal não entende que a linguagem escolhida molda a história. E esse, pra mim, é o maior mérito do Aranhaverso. É um filme em que o roteiro, a direção de arte, direção de animação, estão tão bem casados que é uma delícia de ver… é uma coisa realmente muito preciosa eu achei.

O que acaba sendo uma injustiça, as vezes, em termos de bilheteria. Porque se fosse um Homem-Aranha [live action] qualquer, iria fazer pelo menos o dobro da bilheteria que [o Aranhaverso] fez.

CB – Sim, porque o pessoal ainda acha que animação é pra criança…

Tinha um menino de uns 14, 15 anos indo ao cinema com os pais e a senhora [que devia ser mãe dele] dizendo: “Mas é animação? É desenho? Eu achei que era filme. Pode escolher outro porque eu não vou ver desenho.”. E eu quase falei pra ela, que na minha opinião, ela estava perdendo o melhor filme do Homem-Aranha, independentemente do suporte… E o que é mais engraçado, ele se comunica vagamente com os filmes do Sam Raimi.

CB – Sim, sim.

Enfim… É isso aí Bela. Eu queria agradecer mais uma vez sua disponibilidade e desejar muito sucesso na sua carreira, que já é super vitoriosa, brilhante e tudo mais… e queria convidar todo mundo que está ouvindo a gente pra conferir Tito e Os Pássaros nos cinemas. Então, mais uma vez, obrigado Chico!

CB – Imagina, valeu. Assiste lá, a primeira semana é muito importante!

Show de bola. Então é isso aí galera: Tito e Os Pássaros tem direção de Gabriel Bitar, André Catoto e Gustavo Steinberg, a partir do roteiro do próprio Gustavo e Eduardo Benaim, Direção de Arte de Vini Wolf e Paulo Torino e Direção de Animação de Chico Bela e Vini Wolf. E pra você que ficou com a gente até aqui, a gente agradece! Não deixe de curtir o Sobrecapa e o Ultimato do Bacon nas redes sociais e no Youtube. A gente fica por aqui mas depois tem mais. Valeu!

CB – Valeu Ale, até mais.

 

 

Tito e Os Pássaros

Sinopse: O filme conta a história de um menino que é responsável, junto com seu pai, por achar a cura para uma doença que é contraída após a pessoa tomar um susto.

 

 

Trailer:

 

Entrevista em audio:

 

 

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