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O Eternauta 1969 – O Ultimato

Em 5 de Jul de 2021 5 minutos de leitura
O Eternauta 1969 – O Ultimato

Conheça O Eternauta 1969 a releitura do maior clássico sci-fi argentino 

Entre 1957 e 1959, O Eternauta (El Eternauta) foi publicado em uma revista argentina semanal de história em quadrinhos chamada Hora Cero. O roteiro era do aclamado Héctor Germán Oesterheld e a arte de Francisco Solano López. Considerado o maior clássico sci-fi do país e inspirado em A Guerra dos Mundos (1898) de H.G. Wells, o enredo trabalhava a ideia de uma invasão alienígena em Buenos Aires.

Foi em 29 de maio de 1969 que a revista Gente – uma espécie de Caras argentina – começou a publicar O Eternauta 1969. Uma releitura da obra anterior pelo mesmo Oesterheld. Desta vez, com os desenhos e colagens de Alberto Breccia, formando a mesma excelente dupla de Mort Cinder (1962).

Na HQ, logo de início, presenciamos a solidão de um roteirista de quadrinhos ser quebrada pelo surgimento de um espectro – O Eternauta – no escritório. Este, explica ser um viajante da eternidade e, conforme vai ganhando forma, se oferece para contar sua história aos atentos ouvidos do quadrinista. Assim adentramos na releitura do sci-fi mais aclamado da Argentina.

O Eternauta 1969 só chegou ao Brasil em 2019, pela editora Comix Zone. O material é impecável, em capa dura, com prefácio brasileiro do sociólogo André Pereira de Carvalho e posfácio de Guillermo Saccomanno – escritor e jornalista – e Carlos Trillo – considerado o maior quadrinista argentino após Oesterheld –, onde detalham algumas irônicas e curiosas páginas que dividiam a revista Gente com o quadrinho.

O Eternauta 1969 – O Ultimato Breccia mistura traços bem definidos com outras técnicas, como a colagem, em uma arte de muita personalidade

Qual o enredo de O Eternauta 1969

A história do Eternauta começa quando ele era Juan Salvo, jogando cartas no sótão com mais três amigos: Favalli, Polski e Lucas, o “Careca”. Na casa, também estavam sua mulher, Elena, e sua filha de 10 anos, Martita.

De repente, a luz acaba e o rádio fica em silêncio, assim como toda a rua. Os quatro se aproximam da janela, nevando – o que é raro em Buenos Aires –, e percebem que os transeuntes estão mortos.

Favalli, professor de física atômica, logo conclui que eram os flocos caindo do céu que estavam matando as pessoas e, por sorte, toda a casa permanecia com as janelas fechadas. Polski, desesperado para ter notícias de sua esposa e das crianças, se arrisca na calçada e acaba comprovando a teoria de Favalli.

A partir daí, vemos os quatro amigos e a família Salvo buscando entender o que aconteceu sem sair de casa, em um ritmo que nos lembra muito os filmes das décadas de 1950 e 1960. Será que a situação vai se estender? De onde vem essa neve? Será algum teste de arma atômica que deu errado? Como conseguir alimentos e sobreviver?

Quando os protagonistas montam uma roupa segura para buscar itens de sobrevivência, aos poucos descobrem que os flocos de neve são na verdade um ataque alienígena após uma traição dos países do Hemisfério Norte, que sairiam ilesos em troca da invasão no Hemisfério Sul.

O Eternauta 1969 – O Ultimato No início, os personagens estão na casa de Salvo, tentando resolver mistérios e planejando a sobrevivência

Em um segundo momento, a HQ ganha tons de guerra. Para combater os invasores, os poucos sobreviventes reúnem um exército ao qual Salvo e Favalli são obrigados a se “voluntariar”.

Como Salvo era sargento da reserva, recebe uma posição de comando. Eles descobrem extraterrestres semelhantes a grandes baratas, onde podem descarregar seus fuzis. Os “cascudos”, porém, são apenas peões comandados por uma raça extraterrestre chamada “Eles”.

Toda essa construção e a forma única da arte de Breccia só podem ser assimiladas em seu máximo com a leitura da HQ. E já me adianto, O Eternauta 1969 vale muito a pena em duas situações: se você é fã de histórias sci-fi clássicas e se tem interesse por obras atravessadas visceralmente por seu contexto histórico – o motivo você confere a seguir –.

O Eternauta atravessado pelo real

Diferente do Brasil, que teve a ditadura de Vargas em 1937 – intitulada oficialmente de Estado Novo – e a ditadura militar entre 1964 e 1985, a Argentina sofreu nada menos que seis golpes de estado durante o século XX.

Os quatro primeiros foram enquadrados como ditaduras provisórias, enquanto os dois últimos, de 1966 e de 1976 (sobre esta época, leia El Sueñero), foram chamados pelo cientista político argentino Guillermo O’Donnel de estado burocrático-autoritário.

O Eternauta 1969 – O Ultimato Com o passar das páginas, os traços bem definidos de Breccia vão ganhando aspectos mais abstratos

A releitura de O Eternauta (1957) surgiu do contexto da ditadura que durou de 1966 a 1973, a penúltima. Oesterheld era militante de esquerda. Inclusive, ele e as quatro filhas estão entre os 30 mil desaparecidos na ditadura seguinte.

Embora O Eternauta 1969 possa ser lido tranquilamente como uma excelente obra do gênero sci-fi, a riqueza das reflexões que Oesterheld nos apresenta acerca do autoritarismo, escrita na época em que vivenciou isso, é tocante.

O simbolismo dos flocos de neve que caem silenciando a população não lembram só os assassinatos comuns das distopias, mas o quanto as vozes das pessoas são caladas, seja pelos tradicionais meios de censura dos que pensam diferente, a exemplo a limitação da imprensa, ou pelos desaparecimentos humanos.

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Quem desaparece não pode falar o que houve, como sumiu, o que sofreu, não pode buscar justiça ou se despedir da família.

Outra coisa que une as distopias da ficção aos autoritarismos históricos é o clima de dúvidas, medo, angústia e desespero. Isso é exposto com maestria em O Eternauta 1969.

A neurose dos envolvidos chega ao ponto – e não sem razão – de duvidar de quem é amigo e quem vai atacar por fome, comida. Pior, quem pode ser um delator? Isso tudo quando depender da ajuda do outro pode ser determinante para a sobrevivência.

O Eternauta 1969 – O Ultimato O ápice da guerra entre alienígenas e argentinos se dá no Monumental de Nuñes, estádio de futebol do River Plate

O Eternauta 1969 nos faz pensar o quanto nós, enquanto humanidade, estamos invariavelmente sob o eterno risco de sofrermos com governos tiranos. É muito simbólico que o protagonista se chame de viajante da eternidade.

O quanto da história social é composta de democracias e o quanto por governos autoritários? O quanto, até hoje, diversos países vivem em ditaduras e, mesmo onde não há, existe a iminente possibilidade de um golpe? E é óbvio que no discurso nenhuma ditadura se considera como tal. Estão sempre dentro da lei – claro, imposta –.

O fechamento – leia para conhecer – dá aspecto de obra-prima à publicação. E refletindo mais um pouco, O Eternauta 1969 está aí. Oesterheld publicou. Tantos outros contaram suas distopias.

Estamos livres deste horror? Não sei se tenho uma resposta boa ou definitiva para isso, mas tenho certeza de que se há alguma forma de evitá-las, é contando histórias pelos quadrinhos, pelos livros literários, pelos livros historiográficos ou pelas páginas de um jornal. O Eternauta pode ser argentino, brasileiro, do passado, do futuro…

Avaliação: Excelente!

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O Eternauta 1969 – O Ultimato

Gostou do texto? Leia outras matérias do David Horeglad (HQ Ano 1) para o UB!

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Créditos:
Texto:David Horeglad – @hq_ano1
Imagens: Reprodução
Edição: Diego Brisse
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