Ultimato do Bacon

Noite Passada em Soho (2021) – O Ultimato

Em 18 de Nov de 2021 5 minutos de leitura
Noite Passada em Soho 1

Noite Passada em Soho, novo longa de Edgar Wright, estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 18 de novembro de 2021.

Índice

Noite Passada em Soho – introdução

O Soho é um daqueles lugares que, pra alguns, é apenas mais um destino turístico supervalorizado.

No entanto, para uma parcela da população mundial, ligada às artes e à efervescência cultural, nem que seja de outrora, o Soho é um lugar peculiar.

Assim como Los Angeles, São Francisco, alguns lugares de São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza e Curitiba (cito apenas locais que conheço, sei que existem outros no Brasil), o Soho é daqueles “cantos” em que você precisa estar pra entender.

Não é só o mobiliário urbano, suas lojas e pubs, ou ainda, as pessoas que passam por ali.

São sons, cheiros, a umidade do ar, a forma como a luz do dia ou falta de dela – tanto pelo fog londrino quanto pela noite que se aproxima às 16h da tarde – é filtrada pelos edifícios de pouca altura… e, algo mais.

O Soho tem uma alma.

Foi essa alma que me obrigou a gastar £160.00 em um Fender acústico, de modelo idêntico ao utilizado por Steve Howe do Yes, quando estive por lá, gastando em um único violão quase o dobro do dinheiro que havia levado pra me manter na cidade durante toda a estadia.

Afinal, quando você toma cerveja no mesmo pub em que Mick Jagger e Keith Richards, caminha pelas ruas passando por estúdios onde foram gravados álbuns clássicos do rock e do progressivo, você tem que comprar alguma coisa na loja onde Jimi Hendrix comprava suas guitarras.

E tem que fazer algum sentido.

Noite Passada em Soho (Last Night in Soho, 2021) deveria ter um título mais pessoal. Não gosto do título em português por vários motivos que não vêm ao caso. Mas definitivamente seria “no Soho” e não “em Soho”.

Mas vamos ao filme.

Edgar Wright, um virtuoso na arte de escrever e dirigir, consegue em sua película extrair todo esse clima, essa alma do distrito que quer homenagear e retratar.

Um filme que só poderia ter sido feito por um apaixonado pelo local – pois todos sabemos que a paixão mistura momentos de ódio e de amor, de desvairio e sensatez – tal qual Woody Allen em seus filmes novaiorquinos, ou ainda, com seu belíssimo Meia-Noite em Paris (Midnight in Paris, 2011).

Mas volto nisso depois.

Se você não tem apreço por nada disso, espere mais um pouco. Pode ser que a trama, por si só, te agrade.

Porque, como eu citei agorinha mesmo, Edgar Wright é um exímio escritor e diretor. E tem um pouquinho de alguma coisa pra cada espectador nesse longa.

Noite Passada em Soho wall

Noite Passada em Soho – trama e elenco

Na trama, acompanhamos Eloise (Thomasin McKenzie), uma garota do interior da Inglaterra que vive com a avó e que é aceita na UAL – Universidade de Artes de Londres.

De mudança para a cidade grande, descobrimos que Eloise perdeu sua mãe quando criança e que ela ainda a “vê” ocasionalmente.

É importante ressaltar a versatilidade de McKenzie, que parece ser uma garotinha provinciana, o verdadeiro estereótipo da pessoa deslumbrada com a cidade grande. Sua convincente atuação vai surpreender os espectadores quando certas reviravoltas acontecem e Eloise assume outras características.

Sem entregar grandes surpresas, espere uma trama que se renova rapidamente. Se o início do filme homenageia Bonequinha de Luxo (Breakfast at Tiffany’s, 1961) e outros longas da época, especialmente os estrelados por Audrey Hepburn, logo ele se converte em algo na linha de Carrie, A Estranha (1976).

O repertório de Wright vai sendo desfilando à medida que a história vai se construindo com uma assinatura autoral em cada cena.

Após o primeiro choque de Eloise com a cidade grande e os novos “amigos” da república estudantil da universidade, a garota se muda para um quarto na residência de uma velha senhora. Hitchcock certamente se orgulhou de ver o tratamento do diretor para estas sequências.

Então o filme novamente dá uma guinada e, ao adormecer, Eloise acorda na Londres dos anos 60 – falei que ia mencionar Meia-Noite em Paris novamente não? – numa clara homenagem ao filme de Woody Allen e a Paris é uma festa, livro de Hernest Hemingway que inspirou o longa.

É ali que Sandie (Anya Taylor-Joy) – outra garota do interior recém-chegada à capital – tenta construir uma carreira de cantora e dançarina.

Tudo parece mágico e predestinado quando Jack (Matt Smith), além de ser o cavalheiro perfeito, lhe oferece a chance de sua vida.

Ambos estão espetaculares no longa, assim como todo o elenco de apoio. Mas perdoem-me, não vou entrar em detalhes das atuações pois não conseguiria fazer isso sem entregar demais a trama.

Noite Passada em Soho – aspectos técnicos

Noite Passada em Soho não é o tipo de filme para as críticas atuais. Um filme desse merecia o estilo de crítica das revistas de cinema de antigamente, em que o jornalista e cinéfilo destrinchava cada cena em uma matéria de quatro páginas, recheando o material com entrevistas de elenco e direção.

A forma como o filme se altera a todo momento, colorindo a narrativa com nuances de diversos gêneros é genial e, apesar do pastiche, funciona em perfeita harmonia. É óbvia a intenção do diretor: fazer de seu filme um Soho dos cinemas, já que o local nada mais é que um pastiche de cultura e vida social.

Noite Passada em Soho 2
Londres é uma festa! Edgar Wright estampa suas influências em cada cena.

Sobre a condução de Wright nas cenas, cada detalhes funciona de maneira belíssima, com Eloise semi-revelada em reflexos de espelhos, copos e metais do cenário toda vez que “retorna” aos anos 60.

Outro detalhe que agrada bastante é a sinceridade com que Wright abraça suas origens: suas cenas de terror não abusam do jump scare, entregando momentos que se encaixam na história e na construção da personagem principal.

Ainda assim, mesmo sendo um excelente filme de Wright, não destacaria como a melhor obra do cineasta por uma leve escorregada na reta final do longa.

Noite Passada em Soho – conclusão

Eu iniciei esta crítica falando do Soho assim como Wright faz questão de deixar na entrelinha que o grande personagem de seu longa é o local.

O Soho é com um “x-tudo” e, assim como o completo lanche, não agrada a todos. Nem tudo ali combina. Nem todo mundo gosta de tanto excesso. E assim também é o longa de Edgar Wright. Noite Passada em Soho é um belo x-tudo. Mas, mesmo entre os apreciadores deste tipo de iguaria, existem aqueles que são perfeitos, aqueles intragáveis e aqueles que poderiam ser melhores.

Wright, em seu x-tudo cinematográfico, tentou uma última reviravolta que foi como colocar ervilha ou frutas cristalizadas no sanduba. Por sorte, estava tão no cantinho do pão, que dá pra tirar tranquilamente e aproveitar o restante.

Ainda assim, Noite Passada em Soho é um incrível longa, anacrônico com vontade, repleto de camadas e texturas que vão do comentário ao showbiz, ao machismo e à sororidade, ao amor ao cinema e às artes e até ao virtuosismo, o trash e o gore.

Além disso tudo, pode ser somente um thriller paranormal para quem quiser ficar na superfície, sem precisar se envolver ou pensar muito no filme.

E tudo isso com uma trilha sonora deliciosa, daquelas que tocariam em alguma lanchonete drive-in meio “anos 50”, em que se serve um belo x-tudo, com fritas e milkshake.

Ultimato do Bacon
Avaliação: Ótimo!
 Noite Passada em Soho Poster

Créditos:

Texto e Edição: Alexandre Baptista

Imagens: Reprodução



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