O clássico livro inglês “Oliver Twist” de Charles Dickens é admirado por muitos leitores ao redor do mundo e já foi adaptado muitas vezes para o cinema e para os quadrinhos. A história acompanha um jovem órfão que sofre com o descaso e a crueldade da sociedade, mas se mantém puro e bom. Fagin O Judeu de Will Eisner é uma releitura da obra que foca em um dos “vilões” do livro.
Retratado como um ladrão judeu sem escrúpulos por Dickens, Fagin ganha uma nova roupagem nas mãos de Eisner que entende que a representação criada pelo autor inglês ajuda a perpetuar o preconceito contra os judeus e a criar o estereótipo que, de alguma forma, se mantém até hoje.
A história de Eisner faz questão de mostrar toda a jornada de Fagin, desde sua chegada a Inglaterra até seu trágico fim. Eisner não chega a mudar a história original de forma profunda mas altera algumas passagens que fazem com que a maior parte da vilania e crueldade acabem recaindo nos ombros de Bill Sikes, o parceiro de Fagin.
Roubos e mortes são recorrentes nas páginas da Graphic Novel Fagin O Judeu de Will Eisner
A HQ Fagin O Judeu de Will Eisner foi originalmente lançada em 2003 e conta com pouco mais de 120 páginas. A obra foi lançada no Brasil em 2005 pela editora Cia das Letras.
Curiosidade para o leitor: Nesta obra vemos uma faceta de Eisner diferente. Aqui vemos um autor que está muito engajado na luta contra estereótipos, em especial o perpetrado contra os judeus. Para o autor, é responsabilidade dos colegas artistas combater esse mal com obras mais responsáveis e conscientes do seu papel na sociedade. No prefácio ainda vemos Eisner falar sobre Ébano, o ajudante negro do herói The Spirit que foi criado por ele como um alívio cômico para as histórias.
O autor não se coloca como sendo um artista sem falhas e fala sobre alguns erros que ele mesmo cometeu na criação e concepção desse personagem que sofreu muitas alterações no decorrer dos anos – conforme ele próprio se tornava mais consciente do papel de sua obra na sociedade.
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Um jovem Fagin em busca de um futuro melhor aparece nas páginas da Graphic Novel de Will Eisner
A trama da HQ Fagin O Judeu de Will Eisner
Will Eisner dá uma verdadeira aula de história e mostra que é bom revisitar os clássicos, nem que seja para modificá-los ou dar novas interpretações para algumas de suas passagens. Eisner não “ataca” a obra de Dickens mas faz questão de mostrar que a representação do autor e sua visão sobre os judeus é, no mínimo, falha.
A trama começa, inclusive, mostrando Dickens visitando Fagin na cadeia e ouvindo do personagem a história real e completa de sua vida!
Ao contrário do que pode parecer em um primeiro momento, Eisner não “passa a mão na cabeça” de Fagin. O autor mostra todos os erros e acertos do personagem de forma clara e fica nítido que as condições encontradas pelo personagem em sua chegada a Inglaterra foram primordiais para empurrar o jovem para a marginalidade.
O autor também faz questão de retratar as injustiças cometidas pelo sistema judiciário e as coloca como determinantes para o destino de Fagin. Por vezes o personagem tenta fazer o certo mas é impedido ou mal interpretado. Em outros momentos ele realmente sucumbe às piores emoções humanas e as utiliza para se vingar de quem o fez mal.
Trambiques de rua são mostrados nas páginas da HQ Fagin O Judeu de Will Eisner
A obra de Eisner tem um ritmo intenso e no começo recebemos muitas informações que falam sobre a imigração dos judeus para a Inglaterra e como temos maior ou menor aceitação dependendo de seu país de origem. Essa contextualização nos ajuda a entender o momento histórico no qual a trama se passa e nos faz perceber de maneira mais profunda os problemas que se apresentam para Fagin.
A grande diferença é que na interpretação de Will Eisner vemos um Fagin mais empático e preocupado com seus pequenos ajudantes. Isso não exime o personagem de seus erros e de seu estilo de vida, mas faz com que ele seja mais consciente e menos caricato.
A história de Oliver começa a aparecer um pouco depois da metade da HQ. É interessante como Eisner consegue transformar fisicamente o jovem Fagin da sua obra no personagem retratado por Dickens. A relação dele e de Oliver é bem explorada e vemos o protagonista sempre dividido entre proteger seus pupilos e preservar sua operação clandestina.
Ao lado dele vemos também o irritado e descontrolado Bill Sikes, que acaba sendo o grande vilão da história. Vale salientar que Eisner preserva todos os principais acontecimentos da obra e seus desfechos e após vermos a história de Fagin fica a pergunta: se Oliver continuasse na rua, cercado pela triste realidade dos excluídos da sociedade, até quando ele conseguiria preservar sua bondade?
Fagin treina crianças para praticarem trambiques na Graphic Novel de Will Eisner
Fagin O Judeu de Will Eisner é uma reinterpretação poderosa e respeitosa da obra original de Charles Dickens. Por mais que Eisner tenha um objetivo específico, é notório o cuidado que o lendário autor tem com os fatos que são retratados no livro de 1837.
Mesmo tendo algumas alterações menores em relação à obra original, me arrisco a dizer que a leitura é muito boa e um ótimo ponto de partida para apresentar o conto de “Oliver Twist”. Para os que já leram a obra, é interessante buscar as diferenças exploradas por Eisner e acredito que seja impossível não mudar a forma como vemos Fagin.
A perseguição às pessoas que apresentam características e crenças diferentes, a indiferença e a crueldade são os verdadeiros vilões segundo Eisner.
Uma ótima leitura que vai cativar o leitor e mostrar uma outra faceta de Will Eisner!
Avaliação: Excelente!.
Créditos:
Texto: Lucas Souza
Imagens: Reprodução
Edição: Diego Brisse
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