Ultimato do Bacon

ESPETACULARE MENEGHETTI – O Ultimato

Em 9 de Jun de 2021 5 minutos de leitura

Baseado numa história real, conheça a lenda do Espetaculare Meneghetti.

Perdi a conta de quantas vezes saí da Galeria Olido, prédio vizinho da Galeria do Rock onde trabalhei por cerca de um ano, e caminhei pela Av. São João – aquela do segundo verso de Sampa – até o bairro da Santa Cecília, onde ainda moro.

Não imaginava que há algumas décadas, naquela mesma avenida, um senhor chamado Amleto tinha uma banca de jornais e conhecia tão bem o protagonista desta história. É ele que, no início de Espetaculare Meneghetti (2021), pela década de 1970, conta sobre um “Rei dos Ladrões” ao garoto que pretendia comprar uma revista do Homem-Aranha.

Gino Meneghetti existiu de verdade. Nasceu em Pisa, na Itália, em 1878. Ele cresceu em um período de crise no país, com algumas passagens em casas de detenção por pequenos furtos e outros crimes. Veio para o Brasil na década de 1910, onde viveu até sua morte, em 1976, aos 97 anos, na casa do filho na Vila Guarani, zona sul de São Paulo.

A obra Espetaculare Meneghetti, roteiro e arte, é do Kash Fyre pela Universo Guara Editora, em 208 páginas. Para isso, o autor fez uma pesquisa de três anos sobre a vida de Gino Meneghetti. E apesar das consideráveis adaptações e criatividade nos recursos narrativos, a impressão com a leitura é a de que tivemos acesso ao âmago do carismático “homem dos pés de mola”.

Qual é a trama de Espetaculare Meneghetti

Voltando ao Seu Amleto e ao jovem cliente da banca, é óbvio que o personagem ficcional norte-americano – Homem-Aranha – foi logo esquecido para dar lugar as façanhas do “gatuno dos telhados”. E Amleto nos conta a história de Gino desde a chegada à São Paulo, direto para a Pensione Lazarini, de sua madrinha. Rapidamente, o preguiçoso italiano percebeu que trabalhava muito e ganhava pouco.

Certo dia, ele viu um pequeno imigrante pedindo um pedaço de pão a um aristocrata francês para matar a fome. O ricaço joga um pãozinho no chão, mandando o garoto pegar. A humilhação irrita Gino, que toma alguns pães do aristocrata e entrega ao garoto.

É na mansão do francês, propositalmente, que o italiano volta à vida de gatuno. Mas Seu Amleto destaca, sempre seguindo cinco regras: não roubar pobres, apenas joias, – que são “bens supérfluos” -, sempre trabalhar sozinho, nunca agir com violência e não se envolver com “tóxicos”.

gino aproveita a boemia em espetaculare meneghettiCom o resultado dos furtos, Gino ajudava os amigos, mas também sabia aproveitar a boemia paulistana

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Com as joias afanadas, além de se permitir comprar roupas novas e gastar nas noites com os amigos, Gino reformava o empreendimento de pessoas próximas, incluindo a pensão de sua madrinha. É claro que a vivida italiana percebe a malandragem e o expulsa de lá. Meneghetti vai morar com seu amigo Paolo, que liderava greves sindicais.

As discussões em tom humorado entre os métodos da “revolução” entre Gino, anarquista, e Paolo, socialista, são uma atração à parte. Por um lado, o sindicalista buscava uma mudança dentro da lei, sem largar o trabalho. Gino preferia fazer “justiça” mais rápida e com as próprias mãos, furtando dos ricos e levando aos pobres.

A história ganha contornos de romance quando Meneghetti conhece a italiana Conchetta Tovani, que namorava o subdelegado Lima. Foi paixão à primeira vista. O delegado, Dr. Domingos, era cada vez mais pressionado pelos poderosos locais e pelos impressos, que debochavam da equipe policial por não conseguir prender o Rei dos Ladrões. Já deu para perceber a confusão, né?

É isso que acompanhamos. Roubos, golpes, perseguição policial, algumas das curiosas idas à prisão de Gino, o romance com Conchetta, as fugas alucinantes – seja correndo pelas ruas ou pelos telhados – e por aí vai.

O carnaval na região do hoje Centro Histórico foi determinante na história de Meneghetti

Vale a pena ler Espetaculare Meneghetti?

A única crítica é para o mesmo detalhe que os antigos filmes inspirados na máfia de Nova York geraram: o risco de romantizar demais um mundo de crimes.

A reflexão que Espetaculare Meneghetti traz, porém, independentemente de analisarmos a índole do personagem, é que alguns dos problemas do início do século XX persistem nos dias de hoje: a desigualdade social, pessoas trabalhando muito e ganhando pouco e a influência que os poderosos podem ter sobre agentes da lei. O mito do “bom ladrão” só tem aderência quando uma parte considerável da sociedade clama, ao menos no inconsciente, por um Robin Hood.

Então, sim, vale muito a pena. Se você for paulistano, nem perca tempo, consiga um exemplar agora! Capiche? A HQ acaba fazendo uma bela homenagem à São Paulo antiga, retratada tanto nos tempos do jovem Meneghetti, pela década de 1910 em diante – aquela ainda dos barões do café, começando a se industrializar, mas pelo lado dos imigrantes italianos –, até a década de 1970 do narrador Amleto.

Nestas páginas vemos o antigo bonde, o Vale do Anhangabaú, o “Banespão” visto da extensa Av. São João, e tantos outros lugares presentes na memória afetiva da maioria dos paulistanos. A arte de Kash Fire em preto e branco e o uso das palavras e gírias dos imigrantes italianos nos ajudam a viajar no tempo com os personagens.

A cidade de São Paulo e as referências de época são pontos altos da HQ

Dito isso, vale pontuar que existem dois tipos de referências que são um deleite buscar em Espetaculare Meneghetti. O primeiro são as locações geográficas e marcas antigas, como os jornais Folha da Noite e Folha da Manhã – atuais Folha de S. Paulo – e o vermute Cinzano.

O segundo são os “easter eggs”, como uma cena do filme Um corpo que cai (1954), de Alfred Hitchcock – não haveria melhor para uma perseguição nos telhados –, e o quadro Operários (1933), de Tarsila do Amaral, que nos remete justamente a essa massa de migrantes e imigrantes que impregnaram o suor no processo de industrialização paulista.

O material extra é bem complementar para a experiência. De uma forma criativa, ao final do livro, ele intercala com páginas em quadrinhos onde Seu Amleto vai nos servindo de mais informações do início da vida de Meneghetti. Ali também que Kash Fyre conta um pouco do processo de pesquisa e a relação dos personagens da HQ com os reais – qual existia mesmo, qual foi apenas inspirado em outro, qual nem foi incluído para não prejudicar o timing narrativo –. Cinco bacons com êxito.

Acima, a última arte de Kash Fire neste Ultimato e a provável inspiração: foto da Rua São Bento com a Rua Boa Vista em 1905, no centro de São Paulo. Nenhum dos dois prédios está em pé, mas na esquina da esquerda hoje está o Café Girondino

Avaliação: Excelente!

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Gostou do texto? Confira outras matérias do David Horeglad (HQ Ano 1) para o UB!

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Créditos:
Texto: David Horeglad (@hq_ano1)
Imagens: Reprodução
Edição: João Maia
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