Ultimato do Bacon

Era Uma Vez… em Hollywood – O Ultimato

Em 14 de Ago de 2019 6 minutos de leitura
Leonardo DiCaprio em cena de Era Uma Vez em Hollywood, novo filme de Quentin Tarantino
Era Uma Vez… em Hollywood (Once Upon a Time… in Hollywood)
Ano: 2019 Distribuição: Sony Pictures
Estreia: 15 de Agosto

Direção e Roteiro: Quentin Tarantino

Duração: 161 Minutos  

Elenco: Leonardo DiCaprio, Brad Pitt, Margot Robbie

Sinopse: Era Uma Vez… em Hollywood, de Quentin Tarantino, revisita a Los Angeles de 1969 onde tudo estava em transformação, através da história do astro de TV Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) e seu dublê de longa data Cliff Booth (Brad Pitt) que traçam seu caminho em meio à uma indústria que eles nem mesmo reconhecem mais. O nono filme do diretor e roteirista conta com um grande elenco e múltiplas histórias paralelas para fazer um tributo aos momentos finais da era de ouro de Hollywood.

 

 

[tabby title=”Alexandre Baptista”]

Era Uma Vez… em Hollywood e a maestria de Tarantino em felação intelectual

Tido por muitos como grande cineasta, diretor apresenta em seu novo longa prova irrefutável de que é um "fanboy" erudito

por Alexandre Baptista

 

Criticar Quentin Tarantino é sempre arriscado. O grupo de fãs do cineasta, salvo raras exceções, é composto pelo mesmo tipo de gente que se denomina olavista ou terraplanista; não que fãs do diretor acreditem na terra plana, mas possuem em geral um grau de idolatria pelo sujeito que adentra o fanatismo, o radicalismo e beira a insanidade.

Eu sinceramente não vejo problema nenhum em gostar de comédias românticas, filmes de super-heróis, filmes cults, grandes clássicos do cinema, animações de baixa qualidade ou o que quer que seja. Mas o grande problema da legião do ex-balconista de locadora é que se torna impossível abrir qualquer tipo de diálogo sobre cinema com eles; confundem a total falta criatividade do cara, mascarada em “homenagens” e “referências”, com genialidade.

Ainda que alguém diga que Tarantino não é uma completa farsa e venha com a velha justificativa de que ele não plagia, "homenageia", ainda assim, ele nada mais é do que um nerd que viu muitos filmes e, graças a algumas jogadas de sorte, tem passado a vida em felação intelectual com seus ídolos.

Ou seja, nada diferente de Ernest Cline e seu Jogador No 1 (Ready Player One, 2011) ou a adaptação homônima de Steven Spielberg de 2018. A diferença é que Tarantino é “erudito”. Em vez de enfiar um milhão de referências pop, enfia um milhão de referências obscuras, cult ou de grandes clássicos do cinema.

Pra quem não sabe do que estou falando (onde você esteve nos últimos 30 anos?), deixo dois vídeos pra ilustrar o assunto.

 

 

 

Deixando de lado a polêmica, vamos então a Era Uma Vez… em Hollywood, que estreia nesta semana na quinta-feira, 15 de agosto.

Seguindo sua tradição de expor sua felação intelectual a outros autores e cineastas – começando do título do filme, que alude a dois grandes filmes de Sergio Leone – Era Uma Vez no Oeste (C’Era Una Volta Il West, 1968) e Era Uma Vez na America (Once Upon a Time in America, 1984), sendo o primeiro obviamente o maior intuito do diretor – Tarantino vai além.

Numa atitude digna dos boatos que envolveram Marylin Mason, Quentin remove simbolicamente algumas de suas próprias costelas* para conseguir realizar a autofelação: logo nos minutos iniciais do longa, temos uma referência a Bastardos Inglórios (Inglorious Basterds, 2009), num regozijo de pedância do autor que vai além da referência ou possibilidade de um universo compartilhado e coeso.

Não contente com isso, Tarantino segue além, desfiando referências, easter eggs e cenas que aludem a suas outras produções: Django Livre (Django Unchained, 2012), Os Oito Odiados (The Hateful Eight, 2015), Jackie Brown (1998), À Prova de Morte (Death Proof, 2007) e até mesmo os dois Kill Bill (2003 e 2004).

Assumindo também que o cineasta tem essa prerrogativa, de realizar o filme que quiser – lembro na faculdade um professor que começou uma aula certa vez da seguinte forma “Na aula de hoje, vamos estudar um dos grandes nomes das artes gráficas. Nascido na cidade tal, Fulano, este que vos fala, começou logo cedo em suas experimentações gráficas…” – falemos mais a respeito do filme e menos do cineasta.

Sobre o descontentamento pela forma como Tarantino representou Bruce Lee em tela, somente lamento e não vou comentar. Sinceramente acredito que coloca em xeque o fato de Kill Bill ser uma “homenagem” aos filmes do ator e lutador, mas deixa pra lá… Entendo que homenagens pressupõem reverência e, sinceramente, não foi o que vi em tela.

Também deixemos de lado o fato de que Sharon Tate (Margot Robbie) é representada como uma assistente de palco televisivo em números musicais do fim dos anos 60… uma cocotinha com ares de Lolita, numa mescla entre sex symbol e garota inocente, que passa o filme todo se divertindo e dançando – até mesmo sentada. Novamente, se essa é a ideia do diretor de homenagem, os machos certamente aplaudirão em pé.

Assim como em Bastardos Inglórios, Era Uma Vez… em Hollywood é apenas uma desculpa para que o diretor satisfaça seu fetiche. Ele parece querer realizar certos sonhos em seus filmes: seja não dar gorjeta, recitar uma passagem bíblica ao liquidar um inimigo, queimar Hitler até a morte ou fazer justiça em relação ao caso Tate-LaBianca, uma vez que agora ele faz parte da comunidade de Hollywood.

No entanto, no filme dos Bastardos ainda existe algum roteiro que sustente a vingança de Shoshanna e o incêndio do cinema. Em Hollywood no entanto, Sharon Tate é uma coadjuvante glorificada, para que o longa seja uma "ode à atriz" que prometia ser um dos grandes nomes da nova década e que foi morta pela Família Mason antes disso.

Infelizmente a história foca demais no adeus aos anos de ouro do cinema, foca demais em Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) e seu dublê Cliff Booth (Brad Pitt), sem no entanto desenvolve-los a contento; a amizade dos dois fica na superficialidade; a lealdade de Booth é gratuita e inexplicável; sem contar em pontas que se abrem sem nenhum desenvolvimento da história ou sem nenhuma justificativa – vide o cigarro “batizado” em ácido que está lá, simplesmente por estar**. E a "ode" a Tate, esvaziada, torna-se uma sub-rotina.

O roteiro todo se perde, muda de foco, se arrasta, se configurando num amontoado de cenas bonitas que culminam no único intuito de Tarantino para o filme: fazer com que os assassinos de Sharon Tate, Tex Watson (Austin Butler), Patricia Krenwinkel, Susan Atkins e Leslie Van Houten sofressem o mesmo destino que seu Hitler fictício.

Afinal, não é pra isso que servem os filmes? Satisfazer o ego dos diretores que os realizam?

Era Uma Vez… em Hollywood é uma aula de misoginia no cinema e, avaliado pelo Teste de Bechdel é possível que não passe. Mesmo passando, é bastante sofrível nesse sentido: as personagens femininas são péssimas e totalmente decorativas – aliás, como a maioria das personagens femininas escritas pelo autor – e pode incluir aí a querida Noiva.

Ainda assim, o filme certamente irá agradar aos fãs do cineasta. Isso porque o longa é repleto de participações especiais – Al Pacino, Michael Madsen, Dakota Fanning, Luke Perry, que faleceu em março deste ano – além das soberbas interpretações de DiCaprio e Pitt, que seguram a atenção do espectador nas quase três horas da apresentação.

A trilha musical, como sempre é bastante boa; em uma cena de carro em que Pitt sai da casa de DiCaprio e volta para seu motorhome, do outro lado da cidade, o mosaico musical é inteligentemente utilizado para indicar a distância do percurso… resta saber se é uma ideia de Tarantino, ou se veio de algum clássico do cinema que eu não tenha visto.

O design de produção, cenários, locações, figurinos e a cinematografia estão simplesmente espetaculares, demonstrando a qualidade técnica do filme e o conhecimento do diretor em, ao menos, reconhecer bons ângulos, aprovar uma edição inteligente e visualmente interessante.

Por fim, após um texto como esse, você pode estar se perguntando se a nota está correta. Sim, ela está. A nota do filme não reflete minha opinião pessoal. Uma avaliação técnica, baseada em critérios de avaliação, não passa pelo prisma pessoal, apesar de alguns ignorantes (que insistem em incomodar nas redes sociais) acreditarem que sim. Assim sendo, sigo um critério de avaliação que vou explicar novamente com o exemplo de hoje.

Em nosso sistema, todo filme começa com 5 bacons e vai perdendo pontos ou recuperando-os de acordo com seus defeitos ou qualidades extras. Nesse caso, tirei um bacon do roteiro, que poderia ser melhor trabalhado. Devolvi um bacon graças a excelente atuação da dupla masculina principal. Tirei mais dois bacons pela misoginia e péssimo desenvolvimento de personagens femininas. Devolvi esses bacons graças ao figurino espetacular e belíssima produção visual em todos os sentidos. Por fim, tirei o último bacon pelo fato de Tarantino ser um completo babaca e pela péssima atitude auto-engrandecedora, mas o filme em si não ser todo ruim.

Era Uma Vez… em Hollywood é um filme que merece ser conferido. Mas é importante não se esquecer de que a "genialidade" de Tarantino tem a mesma relevância dos blockbusters de super-heróis. Uma genialidade emprestada, alugada e reproduzida, cuja única diferença em relação ao "cinemão" é que seu direcionamento é voltado a outro tipo de público (que se diz) mais erudito.

 

"Anotem aí, ainda vou escrever e dirigir um filme – que vai misturar cenas de grandes filmes de Martin Scorsese, Woody Allen, Akira Kurosawa, Edgar Wright e Stanley Kubrick – em que o personagem principal queima o Tarantino e as últimas cópias existentes de sua filmografia com um lança-chamas", Alexandre Baptista em seu discurso de agradecimento ao receber o Pulitzer imaginário auto-concedido por esta crítica.

 

 

 

Avaliação: Ótimo!

 

 

*sendo as "costelas" os diálogos ácidos e acelerados que tanto cativaram o público em seu início de carreira. Vai ver, as costelas são mais importantes do que nos damos conta.

** sim, eu entendo que o "cigarro de LSD" funcionaria como uma espécie de "cena do cupcake" de Era Uma Vez na América, uma chave de leitura lisérgica para explicar racionalmente o final diferente daquilo que aconteceu na realidade. Novamente, uma metáfora já utilizada de maneira mais elegante por Sergio Leone e David Lynch, por exemplo.

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Trailer

 

 


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