Ultimato do Bacon

A Voz do Silêncio – O Ultimato

Em 21 de Nov de 2018 5 minutos de leitura

A Voz do Silêncio

Ano: 2018

Distribuição: Imovision

Estreia: 22 de Novembro

Roteiro: Andre Ristum, Marco Dutra

Direção: Andre Ristum

Duração: 98 Minutos 

Elenco: Ricardo Merkin, Marieta Severo, Stephanie de Jongh, Marat Descartes, Milhem Cortaz, Nicola Siri, Arlindo Lopes, Augusto Madeira, Claudio Jaborandi, Danny Lima

Sinopse: “O passar dos anos é impiedoso para todos. No filme, sete personagens aparentemente comuns conduzem suas vidas buscando, cada um, aquilo que acredita lhe trazer satisfação pessoal. Mas, mesmo com vidas distintas e distantes, eles se aproximam pela maneira como orientam suas existências com base em preocupações mundanas.”

 

[tabby title=”Alexandre Baptista”]

Pretensioso e genérico, A Voz do Silêncio tenta falar de tudo e acaba em nada
Longa que abriu o 46º Festival de Cinema de Gramado estreia nesta quinta, dia 22 de Novembro

Por Alexandre Baptista

 

A Voz do Silêncio estreou no Festival de Málaga 2018 em Abril; abriu o Festival de Tucumán em Junho na Argentina, onde segue em cartaz; abriu também Festival de Gramado em Agosto; fez parte da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo que aconteceu em Outubro e tem estreia nacional nesta próxima quinta, 22 de Novembro. Com a pecha de filme-coral urbano, pretende ser uma ode à solidão e sua “voz”. E nesse quesito a obra quase chega lá, graças aos esforços colossais do elenco, que inclui Marieta Severo, Marat Descartes, o impecável Claudio Jaborandy e o brilhante ator argentino Ricardo Merkin que interpreta o velho radialista Nestor. A direção de arte de Dani Vilela também ajuda, numa caracterização convincente dos cenários paulistanos, locações e tomadas de estabelecimento.

Marieta Severo e Stephanie de Jongh em cena de A Voz do Silêncio.



Infelizmente nada disso é suficiente para o tanto que o diretor André Ristum tentou abocanhar em seu roteiro. Talvez em uma obra literária a coisa toda funcionasse melhor e houvesse mais tempo para elaborar melhor os personagens; talvez menos de fato fosse mais e a qualidade tivesse sido aumentada se a história focasse em apenas alguns dos dez personagens cuja solidão o filme tenta dissecar e evidenciar. Fato é que a balança fica desigual entre eles e arcos que poderiam ser interessantes acabam sendo apenas rápidas pinceladas, como o do advogado interpretado por Marat Descartes, que cai de clichê em clichê até o final previsível; ou do dono de restaurante, abusivo com seus funcionários e viciado em cocaína que fica só nisso e tem um final quase trágico. É visível que a intenção na quantidade de personagens era de generalizar a solidão o máximo possível, dando abrangência ao tema e procurando fazer com que todo mundo se identificasse com ele. Mas não era preciso. O drama do avô-radialista doente e viúvo; do neto carente de atenção dos entes queridos; da mãe que cria o filho sozinha e se dedica com todas as forças ao sustento da família, negligenciando a mesma; e do porteiro do prédio, com dois empregos e uma faculdade, aguentando um tratamento abusivo por parte da sociedade, talvez já desse conta de uma trama principal e todo o resto pudesse ser apenas um acessório. Fato é que o filme é prolixo. E dada a falta de novidade do tema, genérico.

No entanto, o maior problema está na protagonista que, segundo o próprio diretor, é a cidade de São Paulo. Nos minutos iniciais, as cenas levam o expectador a acreditar nessa pretensa verdade. Mas a cada nova cena, a desconfiança que cresce a cada minuto se confirma: a cidade em A Voz do Silêncio poderia ser qualquer cidade grande. A paulicéia desvairada, nunca pequenina e, no longa, nada desvairada, não é aquela em que milhões de pessoas vivem. Não é nem a Sampa das novelas globais. É uma tentativa de cidade invisível de Calvino que ficou no meio do caminho, com seus personagens tentando falar e viver o “paulistanês” sem sucesso. O que é mais um dos motivos para que o filme seja umagrande decepção.

Em uma cena, o garoto interpretado por Enzo Barone espera por sua mãe, atrasada para busca-lo na escola. Uma colega diz algo como “deve ser o trânsito” ao que o garoto responde “Trânsito, a essa hora?”. Nesse momento, um grito absurdo de ISSO NÃO É SÃO PAULO quase escapa da garganta de qualquer pessoa que já morou por lá. Quem já pegou trânsito, e digo TRÂNSITO MESMO, às 2:00 da manhã por motivo nenhum, sabe do que estamos falando. Não existe hora para congestionamentos em São Paulo.

Feito numa co-produção Brasil–Argentina, talvez tivesse sido mais justo e sincero que o filme se passasse em São Paulo e Buenos Aires, por exemplo. Sem grandes caracterizações das duas cidades, o expectador seria levado à conclusão de que toda grande cidade é emocionalmente igual. Uma mentira, mas que serviria ao propósito do longa. Ou então, que o enredo fosse mesmo no Rio de Janeiro, já que os dilemas pessoais são tão universais e a linguagem da obra segue para a velha conhecida dinâmica carioca. Fato é que, de São Paulo, temos somente lindas cenas, um som do Criolo tocando lá pelas tantas e a Rua Augusta, maior injustiçada do longa: teria sido mais honesto representa-la sob o ponto de vista de um playboy qualquer como o Rei da Balada. Da forma como está, falta verdade, falta a rua, falta o sincretismo cultural daquelas calçadas, falta uma italiana e duas russas – com gelo! – falta a alma… falta a voz.

Ainda sobre isso, outra coisa que incomoda demais é a escolha gramatical dos diálogos. Se visualmente temos uma tentativa de realismo e naturalismo que lembra bastante Nina – Sete Pecados de Heitor Dhalia (em que Ristum foi coordenador de pós-produção), nos diálogos o formalismo toma conta – novamente, excetuando Ricardo Merkin e Marieta Severo. A indecisão também está no cenário: em grandes dificuldades financeiras, o apartamento de Maria Claudia, interpretada por Marieta Severo, possui gaveteiros de plástico ao lado de uma cristaleira de imbuia. Uma incongruência que só pode ser explicada pelo estado mental prejudicado que a personagem apresenta.

Além da inconstância e da sucessão de clichês – vou me ater de enumera-los aqui para não evidenciar muito do longa – ainda temos o eclipse e a Lua de Sangue e todo um simbolismo que o diretor insiste em colocar de forma pouco natural no longa. Tudo o que envolve o fenômeno parece forçado e falso: os diálogos, as referências verbais e simbólicas, o estopim das mudanças no momento do eclipse e, principalmente, a cena em que Nestor se senta para ouvir Claire de Lune de Debussy, gratuita e vazia.

Também não vamos detalhar a apoteose final no hospital, que revela todas as relações e intersecciona todas as histórias. É forçada e desnecessária e falar sobre também é.

Mas ainda que tudo isso até funcionasse em certa medida, o problema maior é o fato de que já fizeram obras similares de uma forma muito melhor. Medianeiras de Gustavo Taretto; Magnolia de Paul Thomas Anderson – que estruturalmente é muito similar, com a tempestade no lugar da Lua de Sangue; Histórias Paulistanas de Flávio Luiz Nogueira – este último sendo um quadrinho que acerta de forma magistral na representação da cidade de São Paulo como personagem principal e na representação dos tipos paulistanos. A diferença é que onde temos clichês no longa, no quadrinho de Flávio Luiz temos arquétipos. Uma diferença sutil mas crucial.

É possível que a proximidade e a paixão pessoal do diretor pelo assunto tenham ficado no caminho mas a verdade é que o filme fala demais. A palavra é prata, o silêncio é ouro.

 

Avaliação: Ruim

 

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